joao lopes
4 Jun 2015 19:31
Há uma dimensão épica na história do quadro em que Gustav Klimt eternizou a figura de Adele Bloch-Bauer (o primeiro dos dois em que o pintor austríaco retratou aquela dama da alta sociedade vienense, no começo do séc. XX). Para além da sua singularidade artística, o facto de ter sido roubado pelos nazis conferiu-lhe um estatuto simbólico — envolvendo o carácter intemporal do próprio conceito de beleza — que o passar do tempo apenas reforçou.
O filme de Simon Curtis, "Mulher de Ouro", começa em 1998, precisamente no momento em que Maria Altmann, sobrinha de Adele Bloch-Bauer, procura recuperar o quadro, que passou a ser propriedade do estado austríaco. Com a colaboração do advogado E. Randol Schoenberg, ela vai tentar contrariar os próprios entendimentos diplomáticos internacionais, afinal tendo como motivação primeira as memórias afectivas que, para ela, o quadro envolve.
"Mulher de Ouro" obedece a um modelo tradicional de narrativa cinematográfica, mantendo um ziguezague dramático entre a acção de Altmann e as evocações da guerra, em particular do processo de crescente agressão dos nazis contra a comunidade judaica de Viena. O certo é que sabe aplicar as regras desse modelo de modo equilibrado, de alguma maneira didáctico, articulando as grandes linhas de força históricas com as especificidades dos destinos individuais.
Particularmente sólido no trabalho dos actores — com inevitável destaque para Helen Mirren e Ryan Reynolds nos papéis, respectivamente, de Altmann e Schoenberg —, o filme vem confirmar uma tendência importante dos últimos três ou quatro anos, ilustrada por títulos como "Lore" (2012), de Cate Shortland, ou "Ida" (2014), de Pawel Pawlikowski. A saber: a vontade de rever e reencenar a Segunda Guerra Mundial para além das regras clássicas do chamado "filme-de-guerra".