joao lopes
27 Jan 2017 19:37
Os filmes, é bem verdade, não se reduzem apenas aos seus resultados "finais". Por vezes, um filme mais ou menos falhado merece ser apreciado também pelos riscos que envolve. "O Divã de Estaline" possui algo desse paradoxo: nele se arrisca colocar em cena Josef Staline (1878-1953) num registo — umas férias algures num refúgio na floresta — pouco comum nas suas abordagens históricas e políticas.
Produzido por Paulo Branco, trata-se da terceira longa-metragem como realizadora da actriz francesa Fanny Ardant, depois de dois projectos — "Cinzas e Sangue" (2009) e "Cadências Obstinadas" (2013) — marcados pelo gosto melodramático. Neste caso, predominam as convenções da "reconstituição histórica" para, afinal, trabalhar num registo eminentemente psicológico.
O divã a que o título se refere surge como uma espécie de objecto fantasmático. O seu "modelo" — o célebre divã no consultório de Sigmund Freud — está numa fotografia que o próprio Estaline contempla com inquietação. Perturbado com os textos do pai da psicanálise, o ditador comunista vai pedir à sua amante, Lidia, que leia esses textos e lhe diga se neles encontra alguma coisa "comprometedora" que tenha a ver… consigo mesmo.
Gérard Depardieu e Emmanuelle Seigner, respectivamente como Staline e Lidia, são os principais trunfos de um filme que gere mal os seus cenários, reduzindo-os a um decorativismo que diminui o impacto das situações — e, em última instância, dilui as componentes específicas da época retratada. Fica, em qualquer caso, a sugestão de que o poder mais agressivo pode estar minado, por dentro, pela frieza do medo mais pueril.