O cinema de Hamaguchi parte dos factos e aparências do quotidiano


joao lopes
18 Dez 2021 0:00

Depois de uma sessão fotográfica, Meiko, modelo profissional, escuta a amiga Tsugumi a descrever-lhe o homem por quem está apaixonada — Meiko pressente que se trata do seu próprio namorado…

A jovem Nao dirige-se ao gabinete do professor Segawa para o confrontar com as palavras eróticas de um dos seus livros — na verdade, Nao está a tentar funcionar como agente de vingança do seu amigo Sasaki que não esquece a humilhação a que Segawa o sujeitou…
Tendo como pano de fundo uma crise informática global, revelando documentos pessoais de milhões de pessoas, Natsuko reencontra uma companheira dos tempos do liceu — a certa altura, descobre que está a falar com a pessoa errada…
Dir-se-ia que são histórias parcelares de uma história mais geral sobre o misto de transparência e equívoco, revelação e máscara, que as relações humanas podem envolver. Na verdade, são mesmo ficções autónomas: com "Roda da Fortuna e da Fantasia", o cineasta Ryûsuke Hamaguchi recupera o "velho" modelo do filme por episódios, propondo três contos morais que são outras tantas deambulações por formas de relacionamento singularmente japonesas.
Nada de "sociologia" de bolso, entenda-se. Hamaguchi não submete personagens e situações a quaisquer padrões normativos, sejam eles sociais, sejam dramáticos. O que mais conta aqui é a existência de cada ser humano como um mistério "andante" que se expõe, mas também se oculta, através das palavras que troca com o seu semelhante — este é um cinema precioso em que a naturalidade dos comportamentos pode envolver também os seus maiores enigmas.

+ críticas