20 Abr 2018 0:47
Como filmar a guerra na Síria? Se nos ficarmos pelo comodismo do senso comum, a pergunta pode até parecer insensata: então não vemos a guerra da Síria todos os dias nos ecrãs de televisão?… Ora, não se trata de desvalorizar o valor primordial dos meios de informação, mas importa questionar a própria formulação da pergunta: afinal, o que é que vemos?
É de tal formulação que parte um filme como "Na Síria", realizado pelo belga Philippe van Leeuw e distinguido com o prémio do público na secção Panorama do Festival de Berlim. Trata-se de saber, não apenas o que vemos, mas como vemos. E a opção de van Leeuw consiste em não favorecer qualquer tipo de generalização, política ou simbólica, mantendo-se encerrado (literalmente) no espaço de uma casa de Damasco onde algumas pessoas tentam sobreviver à tragédia em que estão inseridos.
"Na Síria" desenvolve-se, assim, como uma ficção cuja elaboração tende a produzir um fortíssimo efeito documental. Em boa verdade, dir-se-ia uma reportagem de um dia e uma noite, no interior de uma casa em que a simples aproximação de uma janela pode ser fatal. No limite, cada ser humano é peão de uma luta titânica contra a própria desumanização do lugar.
Factor essencial para a eficácia emocional do filme é o seu sólido elenco, com destaque para o trio central de actrizes: Hiam Abbass (a dona da casa), Juliette Navis (a criada) e Diamand Bou Abboud (a vizinha com o bebé). Através do seu labor de representação, "Na Síria" resiste a qualquer formatação ideológica ou moral, nessa medida combatendo também os esquematismos que, por vezes, infelizmente, contaminam o espaço informativo — um filme, enfim, para nos ajudar a sentir o mundo à nossa volta.