joao lopes
1 Abr 2018 0:10
Há filmes que nos convocam através de modelos conhecidos, acabando por nos surpreender pelo modo como transfiguram e superam as regras desses modelos. "O Terceiro Assassinato", escrito e realizado pelo japonês Hirokazu Kore-eda, é um desses filmes — começa como um policial, desenvolve-se como um drama de tribunal, desembocando, enfim, num subtil e perturbante conto moral.
Em princípio, a personagem central é Misumi (Koji Yakusho), acusado de matar o patrão. E faz sentido dizer em princípio porque, de facto, a pouco e pouco, é o advogado de defesa Tomoaki Shigemori (Masaharu Fukuyama) que vai adquirindo o lugar central da intriga. Porquê? Porque ele próprio não sabe como lidar com o seu cliente…
O filme coloca o problema como uma espécie de efeito perverso da cena inicial, em que nos é mostrado o assassinato perpetrado por Misumi. Digamos, para simplificar, que Kore-eda consegue mesmo instalar uma dúvida sobre a verosimilhança da abertura do seu filme. De tal modo que essa dúvida atinge, inevitavelmente, a visão do próprio Shigemori.
Deambulamos, assim, entre o que vemos e o que não sabemos, o que é dito e o que permanece no silêncio: Shigemori — e, com ele, o espectador — é levado a questionar a relação que se estabelece (ou não) entre a letra da lei e a verdade dos factos. Em última instância, Kore-eda expõe as contradições de um leque de relações em que essa verdade é disputada como uma forma de poder — para não nos esquecermos, enfim, que há grande cinema feito no Japão.