joao lopes
29 Mai 2015 1:16
Vale a pena relançarmos uma velha máxima cinéfila (ou apenas naïf) sobre os poderes sedutores do cinema. Assim, que procuramos nos filmes? Pois bem, ver aquilo que nunca vimos… "Deus Branco", de Kornél Mundruczó, é justamente um desses objectos através dos quais sentimos que estamos a contemplar algo de genuinamente diferente, mesmo quando parte de elementos "banais" do nosso quotidiano.
De que se trata, então? De uma menina, de nome Lili (Zsófia Psotta), envolvida nas atribulações dos seus pais separados: quando, devido a um compromisso profissional, a mãe deixa Lili com o pai, este vai rejeitar o seu cão, Hagen (para mais,Hagen não tem a licença necessária para um animal que não é de raça pura…). De tal modo que, na sequência de algumas peripécias mais ou menos dramáticas, Hagen se transforma num fugitivo que acaba a liderar… uma revolta de cães!
Daí o envolvente paradoxo: por um lado, "Deus Branco" vai evoluindo no sentido de uma crescente abstracção mitológica, transformando-se num conto moral em que os cães surgem como elementos reveladores da maldade humana; por outro lado, esse efeito é conseguido através de um elaborado tratamento realista dos próprios cães — e nunca vimos, de facto, imagens de tantos cães filmados de forma eloquente como um verdadeiro exército.
Na sua assumida estranheza feita, afinal, de uma proximidade muito física, "Deus Branco" é um exemplo feliz de uma cinematografia húngara que tão mal conhecemos. Vale a pena recordar, por isso mesmo, que há dias o Grande Prémio do Festival de Cannes foi ganho por uma produção da Hungria — "Son of Saul", de László Nemes —, aliás já adquirida para o mercado português. Estarão aqui, talvez, alguns sinais positivos de redescoberta.