Francesca Hayward: um talento à deriva num projecto falhado


joao lopes
26 Dez 2019 23:02

Apetece usar uma frase da gíria futebolística e dizer que o filme "Cats", a partir do musical homónimo de Andrew Lloyd Webber, tinha tudo para correr bem…

Porquê? Desde logo, porque estamos perante uma obra vibrante, inspirada nos poemas de T. S. Eliot ["O Livro dos Gatos Práticos do Velho Gambá", ed. Assírio & Alvim]. Depois, porque o elenco envolve uma revelação inequivocamente talentosa no domínio da dança, Francesca Hayward (pertence ao Royal Ballet britânico), a par de veteranos como Judi Dench e Ian McKellen. Enfim, será preciso lembrar que esta é uma deliciosa fábula, em tom felino, sobre a identidade e a liberdade?

É caso para perguntar: então, porque é que correu tudo tão mal?… Acontece que o sentido de mise en scène do realizador Tom Hooper é, na melhor das hipóteses, vulgar: foi ele que, também a partir de um musical de palco, assinou uma versão banal de "Os Miseráveis" (2012). Mas não se trata de reduzir os resultados à sua realização — em boa verdade, "Cats" apresenta-se como um projecto todo ele equivocado.
Não basta, de facto, ter uma vedeta como Taylor Swift para protagonizar um número mais ou menos decalcado dos seus mais vistosos (e retóricos) telediscos. Além do mais, seria necessário ter uma concepção concisa da figuração das personagens dos gatos que, na maior parte dos casos, mais parecem erros de guarda-roupa disfarçados com muitos retoques digitais…
Por breves momentos, precisamente com Ian McKellen e Judi Dench, temos a vaga sensação do que poderia ser um genuíno espectáculo que acreditasse das potencialidades dramáticas do seus actores. Mas depois deparamos com incidentes como a figura grosseira, supostamente maligna, do criminoso Macavity, interpretado de forma mecânica por Idris Elba, correndo mesmo o risco de ficar como a personagem mais assexuada do ano.
Na maior parte das cenas, Hooper filma sem nexo, tentando salvar o filme com uma montagem de muitos planos curtos — não salva, claro, porque o espaço nunca ganha definição orgânica e o tempo não integra qualquer lógica de duração… Como fazer cinema quando se menospreza o espaço e o tempo?

+ críticas