Rooney Mara e, desfocado, Ben Mendelsohn — corpos, desejos e pensamentos


joao lopes
9 Set 2017 0:45

Um Oscar para Rooney Mara?… A pergunta é, como se costuma dizer, meramente académica, decorrendo mesmo de um ponto de vista rudimentar. A saber: já vimos interpretações de muito menor complexidade serem distinguidas com estatuetas douradas de Hollywood.

Em todo o caso, não é a "corrida" aos prémios (muito menos qualquer tipo de "aposta") que motiva tal pergunta. Trata-se apenas de dizer que "Una – Negra Sedução" é, de facto, um objecto difícil de "encaixar", não apenas numa temporada de prémios, mas também, antes disso, no próprio mercado.

Repare-se, aliás, como o seu lançamento aconteceu de forma discreta (quantos leitores deste texto sabiam, de facto, que o filme existe?), denotando um poder promocional quase nulo face às grandes máquinas publicitárias que sustentam muitos outros títulos de pura rotina industrial.
Ainda assim, não simplifiquemos: um filme cujo ponto de partida é a relação sexual de um homem de 40 anos com uma menina de 12 anos nunca seria (ou será) um objecto simples — seja o que for que cada espectador possa pensar sobre os respectivos méritos cinematográficos.
Assim é: Una, precisamente a personagem interpretada por Rooney Mara, é a mulher que, 15 anos decorridos sobre aquela relação, procura Ray (Ben Mendelsohn, confirmando também a sua vocação para personagens de extrema dificuldade) para o confrontar com as memórias do que aconteceu. Dir-se-ia um conto moral de perturbante ambiguidade — em vez de ser o monstro que reinveste sobre a sua vítima, é a vítima que procura o monstro.
Baseado na peça "Blackbird", do escocês David Harrower (também responsável pela adaptação cinematográfica), "Una – Negra Sedução" marca a estreia na realização do australiano Benedict Andrews. É uma estreia tanto mais brilhante quanto sabe preservar a intensidade da palavra teatral sem deixar de construir um espaço/tempo eminentemente cinematográfico. Em última instância, trata-se de expor os fantasmas da dimensão humana, não como uma abstracção, antes como entidades que circulam pelos corpos, habitam os desejos e deixam marcas nos pensamentos.

+ críticas