joao lopes
3 Out 2014 23:26
É uma pena, de facto: a produção cinematográfica alemã — até pelas muitas ligações que mantém com outros países europeus — é uma das grandes forças do cinema europeu, mas continua a ter uma presença discreta no mercado português. Quanto mais não seja por isso, a estreia do filme de Edgar Reitz, "Heimat – Crónica de uma Nostalgia" (primeira parte, 2 Outubro; segunda parte, 9 Outubro), constitui um especialíssimo acontecimento.
Reitz nasceu em 1932, o que quer dizer que pertence a uma geração — anterior à de cineastas como Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) ou Wim Wenders (n. 1945) — cujo património de memórias é inseparável da vivência directa da Segunda Guerra Mundial. Assim, ele é autor da monumental série televisiva "Heimat" que, desde 1984, num conjunto de 32 episódios, totalizando cerca de 53 horas, traçou a saga de uma família alemã através das convulsões do séc. XX.
"Heimat – Crónica de uma Nostalgia" é um proglongamento desse projecto, propondo um significativo recuo temporal — trata-se de revisitar a família Simon, mas agora em meados do séc. XIX, numa ambiente rural em que as condições de pobreza levam muitos habitantes a procurar melhores condições de vida, algures em lugares da América do Sul. Motor dessa vontade é a personagem de Jakob (Jan Dieter Schneider), um jovem que, através das suas leituras, imagina a possibilidade de encontrar um "paraíso perdido"…
Filmado em belíssimas imagens a preto e branco, "Heimat – Crónica de uma Nostalgia" apresenta, de vez em quando, breves momentos a cores, como se o seu realismo austero fosse contaminado pelos desejos mais secretos de quem vive (ou filma) os acontecimentos. Estamos, de novo, perante um objecto eminentemente cinematográfico, mas que aceita uma lógica de organização com claras componentes televisivas — a provar que as relações cinema/televisão não têm de existir submetidas aos formatos mais rotineiros e repetitivos.