joao lopes
9 Fev 2019 21:54
Se o leitor procura alguma linha de informação que possa levá-lo a compreender o que está em jogo em "Cafarnaum", de Nadine Labaki, não posso deixar de o remeter para as memórias do Festival de Cannes de 2018. De facto, talvez não tenha havido filme que mais dividisse os espectadores, suscitando muitos entusiasmos (incluindo o Prémio do Júri) e muitas resistências.
Por mim, só posso voltar a dar conta dos sentimentos contraditórios com que recebo o trabalho de Labaki, cineasta nascida no Líbano, em 1974. Ao fazer o retrato de uma criança (Zain Al Rafeea) à deriva nas ruas de Beirute, ela toca em temas delicados e mobilizadores, confrontando-nos com a pobreza de um mundo afinal aqui tão perto… Ao mesmo tempo, o seu filme joga a velha cartada da fotogenia da miséria que tudo reduz a um colecção de pesados clichés.
Dir-se-ia que a estética de "Cafarnaum" consiste em combinar duas vertentes: por um lado, tratar os cenários com a rapidez fragmentada de um banal clip noticioso de televisão; por outro lado, inserir a sua criança nessa paisagem como se tivesse saído de uma publicidade asséptica, sem alma e sem história.
O facto de a criança processar os próprios pais (pelo destino a que a votaram) acaba por ser um pequeno truque dramático que não altera a lógica maniqueísta do filme. Seja como for, registe-se o facto de este tipo de narrativa colher frutos nos mais diversos contextos — "Cafarnaum" está mesmo nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, em representação do Líbano.