joao lopes
26 Jun 2014 19:37
Como filmar a solidão radical de um homem face às convulsões da sua existência profissional e familiar? A resposta que encontramos no filme "Locke" é, de uma só vez, fascinante e… indizível.
De facto, este é um daqueles casos em que — quanto mais não seja por questões de deontologia jornalística — importa ter alguma contenção na simples descrição das peripécias do filme, sob pena de tirarmos ao espectador o direito a descobrir, realmente, o que acontece.
Fiquemo-nos, então, por uma informação sucinta. "Locke" centra-se na história de Ivan Locke (excelente composição de Tom Hardy), responsável por uma gigantesca construção de uma arranha-céus; à noite, ao deixar o trabalho, recebe vários telefonemas: por um lado, a sua situação profissional está ameaçada; por outro lado, a sua mulher acusa-o de manter uma relação ilícita… Resta saber como é que ele pode agir face a esta súbita decomposição de todo o seu universo laboral e emocional.
O resultado é um notável tour de force: "Locke" é, afinal, um filme que dá razão a essa noção muito simples, mas essencial, segundo a qual o cinema se decide sempre nas formas de gestão do espaço/tempo.
Explorando uma obsessiva linearidade temporal — que, até certo ponto, faz lembrar "A Corda" (1948), de Alfred Hitchcock —, "Locke" consegue fazer coincidir o tempo da acção com o tempo de projecção do próprio filme. O "suspense" nasce também desta ansiedade do espaço que se fecha, do tempo que passa.
Estamos perante um verdadeiro ensaio sobre as possibilidades narrativas do modelo do "thriller" psicológico, certamente não por acaso com assinatura de um criador que, há muito, se distinguiu como um brilhante contador de histórias.
Assim, acumulando as tarefas de escrita de argumento e realização, Steven Knight (inglês, 55 anos) já era nosso conhecido através de argumentos como "Estranhos de Passagem" (Stephen Frears, 2002) ou "Promessas Perigosas" (David Cronenberg, 2008). Através de "Locke", ele sabe valorizar até às últimas consequências o drama tão peculiar de Ivan Locke.