crítica
Verdades e aparências do séc. XVIII
Uma história do séc. XVIII?... É verdade: ao realizar "Amor e Amizade", Whit Stillman, um símbolo do cinema independente americano, reencontra um certo espírito da produção clássica de Hollywood.
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joao lopes
2 Jul 2016 19:47
E se um dos genuínos acontecimentos do Verão cinematográfico fosse um filme "à-moda-antiga", apostado em encenar as relações da alta sociedade londrina dos últimos anos do séc. XVIII?…
É verdade: baseado numa novela de Jane Austen, "Amor e Amizade" é um daqueles pequenos grandes acontecimentos que nos reconciliam com a ideia de um cinema romanesco, mais irónico que romântico, mais cómico que dramático.
Estreado no IndieLisboa, este é um objecto que, de facto, se demarca de qualquer tendência ou moda (incluindo o academismo televisivo que, não poucas vezes, predomina nas abordagens dos séculos XVIII/XIX). Dir-se-ia que estamos perante um teatro de ambiguidades: a saga de Lady Susan Vernon, apostada em induzir os casamentos mais "vantajosos" (incluindo o seu), é também um conto moral sobre as máscaras sociais.
Em boa verdade, o realizador Whit Stillman, símbolo exemplar da produção independente americana, está a retomar linhas de força inerentes ao resto da sua obra, em particular as primeiras longas-metragens: "Metropolitan" (1990) e "Barcelona" (1994) — trata-se de observar o labirinto das relações humanas, suas verdades e aparências, no limite discutindo a sedução do próprio conceito de felicidade.
Ironicamente, podemos reconhecer num filme como "Amor e Amizade" uma certa nostalgia de um cinema (melo)dramático enraizado em zonas remotas da história de Hollywood, em especial nas primeiras décadas do sonoro. Em tempos de tantos e tão repetitivos corpos digitais, este é um cinema atento à singularidade muito carnal de personagens e actores — Kate Beckinsale (no papel de Lady Susan), Chlöe Sevigny e Stephen Fry são alguns dos destaques obrigatórios.