joao lopes
4 Set 2021 1:36
Eis um paradoxo que vale a pena sublinhar. Por um lado, Viggo Mortensen construiu a sua "imagem de marca" através de Aragorn de "O Senhor dos Anéis", quer dizer, como peça instrumental de um universo que não elege o labor específico do actor como prioridade; por outro lado, encontramo-lo agora no seu primeiro filme como realizador — "Falling – Um Homem Só" — e compreendemos que há nele uma energia de representação francamente invulgar.
Não é uma surpresa, claro. Afinal de contas, o seu trabalho sob a direcção de David Cronenberg — lembremos apenas o caso exemplar de "Uma História de Violência" (2005) — já nos permitira perceber as suas qualidades. Seja como for, dir-se-ia que não estávamos preparados para o ver a dirigir um drama familiar… à moda antiga.
Enfim, não há nada de mais moderno (no sentido de mais arriscado) do que voltar a acreditar na singularidade das personagens e, nessa medida, nas potencialidades dos actores. Assim é "Falling": o retrato íntimo, dilacerado e dilacerante da difícil coexistência de um homem (Mortensen) com o seu pai (o notável Lance Henriksen) cada vez mais marcado pela doença e por uma raiva que ameaça destruir tudo à sua volta.
"Falling" pertence, afinal, a uma nobre árvore genealógica de Hollywood em que podemos encontrar os nomes tutelares de Elia Kazan, Sidney Lumet ou Clint Eastwood. Este é um cinema de intransigente paixão pelo carácter irredutível de cada personagem e, nessa medida, atento a todas as suas nuances, mesmo as mais discretas. A esse propósito, observe-se apenas a presença breve, mas fulgurante, da sempre admiravel Laura Linney.