joao lopes
11 Out 2019 0:15
Convenhamos que, mesmo respeitando o património filmográfico de Ang Lee — que inclui títulos tão conhecidos como "Brokeback Mountain" (2005) e o muito esquecido, e admirável, "A Tempestade de Gelo" (1997) —, a sua nova realização, "Projecto Gemini", está longe de ser um grande acontecimento narrativo. A história mais ou meno futurista do agente especial, interpretado por Will Smith, que enfrenta um inimigo hiper-dotado pouco ou nada tem de original… e já foi contada com outra invenção.
É certo que, no plano da pura energia visual, o filme distingue-se por um evidente apuro iconográfico — ainda assim, também neste caso, as melhores edições de "Missão Impossível", com Tom Cruise, batem "Projecto Gemini" aos pontos. Mas é certo que, na sua óbvia sofisticação tecnológica, tal apuro não pode ser dissociado de um feito nuclear: o herói Henry Brogan e o seu adversário, Junior, têm cerca de 30 anos de diferença, mas são interpretados pelo mesmo actor… Quem? Will Smith.
É verdade. Parecendo querer ilustrar o pesadelo artístico e simbólico que sugere que, um dia, os actores são dispensáveis — porque só haverá figuras clonadas —, "Gemini Man" apresenta-nos Brogan interpretado "directamente" por Will Smith e Junior "fabricado" a partir de uma elaborada manipulação digital de imagens registadas com o mesmo Will Smith.
O resultado tem o seu quê de circense, e parece óbvio que, prudentemente, Ang Lee não está a defender uma "tese" sobre o futuro figurativo do cinema, antes a criar um espectáculo em que a possibilidade do duplo é a raiz do drama — e também do humor.
É realmente duvidoso que esteja aqui um programa de futuro (seja ele qual for…), mas é também um facto que a proposta envolve um curioso misto de experimentação e paródia. Mesmo se, enfim, não podemos esquecer que a duplicação técnica e formal de um actor já foi mecanismo explorado com outro génio por David Cronenberg em "Dead Ringers" ["Irmãos Inseparáveis"] e não exactamente neste tempo ruidoso da Marvel & Cª… aconteceu em 1988!
Resta acrescentar que, em algumas salas, "Projecto Gemini" está a ser projectado num dispositivo designado como HFR [High Frame Rate], fundamentado numa multiplicação do número de imagens/segundo (de 24 para 60). Gerando um hiper-realismo insólito, tão desconcertante quanto sedutor, é mais um passo de uma evolução que, para o melhor ou para o pior, está a transfigurar o cinema em todas as suas fases, da produção à difusão.