1 Abr 2017 23:38
Perante a reposição de mais um filme do alemão Wim Wenders, "O Amigo Americano", apetece começar por lembrar que ele é, afinal, o cineasta de "Paris, Texas"… Que é como quem diz: um autor cuja sensibilidade sempre se revelou marcada pela geografia cultural americana. Em todo o caso, importa também referir que "O Amigo Americano" não é uma consequência do título que seria consagrado com a Palma de Ouro em Cannes; de algum modo, é o contrário que se verifica: o filme agora reposto tem data de 1977, tendo surgido, portanto, sete anos antes de "Paris, Texas".
Estamos perante uma belíssima adaptação do romance "Ripley’s Game", de Patricia Highsmith, dir-se-ia um compromisso narrativo entre as matrizes clássicas do cinema "noir" e uma dimensão intimista indissociável de todas as fases da filmografia de Wenders. A saga de um falsário de objectos de arte e um especialista em molduras que estará à beira da morte — interpretados, respectivamente, por Dennis Hopper e Bruno Ganz — evolui, assim, como um policial enigmático, habitado por um cruel negrume existencial. No limite, todas as personagens são confrontadas com a proximidade, física ou simbólica, da morte.
Para além de Hopper e Ganz, a ficha artística do filme inclui aquele a que apetece chamar, justamente, o amigo americano de Wenders. É ele o mestre clássico Nicholas Ray (1911-1979), autor de títulos lendários como "Johnny Guitar" (1954) ou "Fúria de Viver" (1955). Com a sua pala no olho direito, Ray circula pelo filme como uma espécie de fantasma carnal de um tempo outro, tempo inevitavelmente pontuado pela nostalgia da idade de ouro de Hollywood.
Na evolução do seu realizador, "O Amigo Americano" surge logo após a célebre trilogia de viagens: "Alice nas Cidades" (1974), "Movimento em Falso" (1975) e "Ao Correr do Tempo" (1976). Inaugurava-se, assim, um intermezzo americano — seguir-se-iam "Lightning Over Water" (1980), registando, justamente, os tempos finais da vida de Ray, e "Hammett, Detective Privado" (1982), rodado em Los Angeles, com produção de Francis Ford Coppola. Em resumo: estamos perante um objecto fundamental para compreendermos o ziguezague Europa/América de Wenders.