joao lopes
15 Dez 2017 2:11
É bem provável que o espectador de Woody Allen, mesmo o mais fiel e interessado, se questione regularmente sobre a (fascinante) evolução da obra do cineasta. Afinal de contas, mantendo a média invejável de um filme por ano, ele é alguém que persiste na afirmação de uma visão e um estilo. Mas o enigma permanece: que faz com que essa persistência esteja muito para além de banais mecanismos de repetição ou auto-citação?
Podemos, talvez, responder através do prodigioso "Roda Gigante" (título original: "Wonder Wheel"). Podemos, sobretudo, reconhecer que a postura criativa de Woody Allen o tem conduzido, cada vez mais, a regressar ao passado de Hollywood e às heranças da sua idade de ouro. No caso do filme anterior, "Café Society" (2016), tratava-se mesmo de uma encenação dos bastidores da indústria cinematográfica em meados da década de 1930; agora, estamos perante o grande cinema da palavra teatral, reencontrando as marcas de Tennessee Williams ou Elia Kazan.
Tudo se passa nos anos 50, no parque de diversões de Coney Island, com Kate Winslet a interpretar a mulher do proprietário da roda gigante (Jim Belushi), num quadro de rotina e sonhos desfeitos perturbado pela chegada da filha do marido (Juno Temple). Como vamos percebendo pela narrativa do vigilante da praia (Justin Timberlake), naquela universo de cores exuberantes e divertimentos efémeros, todos vivem entre as delícias de uma vida imaginada e a banalidade do quotidiano…
Para Woody Allen, tais peripécias estão longe de promover o aparato de uma vulgar comédia de costumes. "Roda Gigante" é mesmo um filme em que as personagens (algumas delas, pelo menos…) se descobrem num labirinto de contraditórias emoções em que o seu "eu" depara com os limites dos desejos que o habitam — o melodrama do amor/desamor transfigura-se em tragédia da vida/morte.
Tudo isto, uma vez mais, acontece no interior de uma dinâmica criativa em que é fundamental a relação com os actores — afinal, não é essa a primeira e fulcral lição de Kazan, Mankiewicz & etc.? Num mundo "normal", Kate Winslet terá, no mínimo, mais uma nomeação para o Oscar. O mesmo se dirá da direcção fotográfica de Vittorio Storaro, provando que a utilização das câmaras digitais nos pode fazer regressar ao puro classicismo do Technicolor.