Wallace Shawn e Christoph Waltz: o cinema resiste dentro dos sonhos


joao lopes
23 Set 2021 23:14

Que faz Christoph Waltz a imitar a figura da Morte no clássico “O Sétimo Selo” (1957), de Ingmar Bergman? E como é que Wallace Shawn assume o papel do cavaleiro medieval que pertencia a Max von Sydow?

Se acrescentarmos que a imagem faz parte do mais recente filme de Woody Allen, “Rifkin’s Festival”, podemos compreender que se trata de uma citação de um dos mestres do realizador. Mas o que importa esclarecer é o contexto onírico em que surge tal citação. De facto, a imagem pertence a um dos sonhos do americano Mort Rifkin (Shawn), ex-professor de cinema, durante a sua estadia no Festival de San Sebastian.
Reside aí, afinal, a “mensagem” amarga e doce de Woody Allen. Rifkin está em San Sebastian para acompanhar o festival — a sua mulher (Gina Gershon) trabalha para um cineasta especialmente concentrado no seu umbigo (Louis Garrel, em deliciosa e sarcástica composição) —, mas o gosto pelo cinema já só lhe chega através dos sonhos. “Morangos Silvestres” (1957), “Persona (1966), ambos também de Bergman, e “A Doce Vida” (1960), de Federico Fellini, são outras das reminiscências que redimem o seu sono…
Menosprezado pelo sistema de produção de Hollywood (em cuja história tem um lugar inamovível), Woody Allen prossegue, assim, a sua deambulação europeia, neste caso através de uma coprodução com Espanha, filmada em Sebastian e estreada no respectivo festival (há cerca de um ano).
Dir-se-ia que, através da continuada celebração da cinefilia clássica, Woody Allen faz uma espécie de “América-vista-da-Europa”, por certo menor face aos melhores momentos da sua filmografia, mas essencial para entender a sua relação visceral com o cinema como arte singular de contar histórias. E com um realismo paradoxal: os sonhos de Rifkin são a preto e branco, não tanto para cumprir um cliché iconográfico, antes porque os filmes citados, ou melhor, sonhados, são… a preto e branco.

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