joao lopes
30 Nov 2014 12:38
O filósofo esloveno Slavoj Zizek é um genuíno cinéfilo — gosta de filmes; gosta de percorrê-los para além de qualquer dicotomia "bom/mau"; enfim, vê e pensa o cinema como componente viva de um aparato imenso onde se cruzam os valores sociais, os seus efeitos visíveis e também os seus recalcamentos.
Em 2006, desenvolvera uma primeira colaboração com a cineasta inglesa Sophie Fiennes (irmã do actor Ralph Fiennes), sob a designação "O Guia de Cinema do Depravado" (título original: "The Pervert’s Guide to Cinema"). Agora, com "O Guia de Ideologia do Depravado" ("The Pervert’s Guide to Ideology"), os dois propõem uma espécie de derivação argumentativa do filme anterior — trata-se de discutir o que é a ideologia, conservando sempre os filmes como fundamental matéria de reflexão.
Até certo ponto, a mise en scène deste "Guias" funciona a partir das matrizes tradicionais do documentário: Fiennes coloca a sua câmara face a Zizek que, por sua vez, vai desenvolvendo as suas reflexões a partir de extractos de filmes. Em todo o caso, há uma diferença, com tanto de irónico como de pedagógico, que importa sublinhar: o protagonista aparece em cenários que, muito explicitamente, copiam ambientes dos filmes citados [exemplo aqui em cima: "Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick].
Os autores citados são muitos e muito variados, de John Carpenter (Eles Vivem") a Martin Scorsese ("Taxi Driver"), passando por James Cameron ("Titanic"). Sempre de acordo com uma lógica de ocupação: Zizek aparece, por assim dizer, como figurante esquecido dos seus bastidores, propondo-nos novas formas de entendimento das suas imagens, cenas e valores. Em última instância, redescobrimos os filmes como etapas de um labor ideológico que envolve todas as formas de percepção, consciente & inconsciente, do mundo à nossa volta — e mesmo quando podemos não nos reconhecer nas argumentações propostas, esta é sempre uma viagem empolgante.