25 Mar 2015 23:25
É o que se pode chamar, não apenas um ciclo de cinema absolutamente admirável, mas um acontecimento 5 estrelas: nada mais nada menos que dez filmes de Roberto Rossellini (1906-1977), de um período essencial do seu trabalho — 1945 a 1959 — em que, através da sua obra, se desenvolveu o movimento neo-realista italiano e, mais do que isso, se abriram as portas de algumas das principais tendências do cinema moderno.
Do drama à comédia, do olhar quase documental à ficção concebida quase como uma reportagem, Rossellini abriu aos seus herdeiros — a começar pelos críticos/cineastas da Nova Vaga francesa — as paisagens de um entendimento do cinema que começava por superar os condicionalismos tradicionais do estúdio.
São dez filmes apresentados em magníficas cópias restauradas, a confirmar que, hoje em dia, o trabalho sobre os clássicos (filmes & autores) é uma via essencial de preservação da memória e, mais do que isso, de integração das novas gerações nas maravilhas da cinefilia (a selecção inclui ainda um 11º título: uma entrevista com Salvador Allende, intitulada "A Força e a Razão", gravada em 1973 para a RAI).
* ROMA, CIDADE ABERTA (1945) [trailer da cópia restaurada] — A resistência à Gestapo numa cidade dilacerada; com Anna Magnani e Aldo Fabrizi, este é o "filme-bandeira" do neo-realismo, a provar que filmar nas ruas, mais do que uma imposição das carências do momento, pode ser uma opção estética, narrativa e simbólica.
* PAISÀ – LIBERTAÇÃO (1946) — Já com meios de produção muito mais significativos (incluindo o acesso ao estúdio), este é um balanço dos dramas da guerra vividos pelo povo italiano, encenado como uma antologia de várias episódios; Sergio Amidei e Federico Fellini colaboraram no argumento.
* ALEMANHA, ANO ZERO (1948) — Aqui se encerra a lendária trilogia sobre a guerra, neste caso encenando o "outro" lado do conflito: Rossellini retrata o drama pungente de um rapaz, intensificando o realismo através de uma rodagem nas ruas e casas destruídas da cidade de Berlim.
* O AMOR (1948) — Quase como um filme de sketches, são duas histórias de mulheres — a primeira adaptando "A Voz Humana", de Jean Cocteau, a segunda centrada numa ingénua que acredita que vai ter um filho de São José —, ambas protagonizadas pela admirável Ann Magnani.
* STROMBOLI (1950) — Primeiro dos cinco títulos que Rossellini rodou com Ingrid Bergman (com quem esteve casado entre 1950 e 1957): a existência dramática de uma mulher é encenada a partir do assombramento das paisagens naturais e, em particular, do vulcão — um filme de emoções radicais.
* A MÁQUINA DE MATAR PESSOAS (1952) — História de um fotógrafo que descobre que a sua câmara lhe dá o poder de matar… Por certo uma das revelações absolutas deste conjunto de filmes, é a prova eloquente das capacidades do cineasta também num insólito registo de comédia.
* EUROPA 51 (1952) — Retrato profundamente melodramático de uma mulher que, na sequência de uma tragédia familiar, muda de forma radical as regras e, sobretudo, os valores do seu comportamento — Ingrid Bergman numa das mais sublimes composições de toda a sua filmografia.
* VIAGEM EM ITÁLIA (1954) [trailer inglês] — Se há momentos simbólicos de eclosão da modernidade cinematográfica, "O Mundo a Seus Pés" (1941), de Orson Welles, é um deles, tanto quanto é este "Viagem em Itália": a deambulação do casal George Sanders/Ingrid Bergman tem tanto de observação clínica do espaço conjugal como de reinvenção da mecânica interior do próprio cinema — da sua linguagem e da visão do mundo que, com ela e a partir dela, se arquitecta.
* O MEDO (1954) — Um regresso à Alemanha para encenar uma novela de Stefan Zweig sobre o drama de um casal cuja mulher é acusada de infidelidade pelo marido: parábola moral com tanto de intimista como de social, é também o título que marca o fim da relação com Ingrid Bergman.
* ÍNDIA (1959) — Numa célebre análise crítica da época, Jean-Luc Godard escrevia que este é um filme "belo como a criação de um mundo": Rossellini visita a Índia numa teia de episódios em que o confronto entre o velho e o novo traduz a reinvenção do próprio cinema perante a infinita complexidade do real.