joao lopes
21 Jan 2016 23:57
O menos que se pode dizer de "Anomalisa" é que não se parece com nada do que conhecemos… E se é verdade que o cinema é (ou pode ser) um acontecimento essencial para vermos e pensarmos a existência humana para além das imagens mais óbvias, então não há dúvida que este filme consegue uma proeza absolutamente fora de série: expor as convulsões interiores de um universo de adultos, com problemas adultos, através de… bonequinhos animados!
É verdade: nomeado para o Oscar de melhor filme de animação, "Anomalisa" não terá o poder promocional de outros concorrentes, a começar, naturalmente, pelo título da Pixar/Disney, "Divertida-Mente" (muito interessante, não é isso que está em causa), mas envolve um acontecimento ímpar na história recente do género — através da técnica do "stop motion", ficamos a conhecer a vida monótona de um autor de livros de "auto-ajuda" (David Thewlis) que parece descobrir uma outra dimensão afectiva através do encontro casual com uma mulher chamada Lisa (Jennifer Jason Leigh)…
Será, então, uma visão caricatural, de algum modo "favorecida" por aquelas figurinhas que se movem através de uma delicada técnica de filmagem, imagem a imagem? Nada disso. O mais espantoso é mesmo essa capacidade de inserir as personagens num universo que, através do seu assumido artificialismo, envolve um surpreendente grau de verdade, tanto no tratamento das emoções mais secretas como na desmontagem dos rituais sociais.
Estamos perante um projecto nascido da mente criativa de Charlie Kaufman, desta vez co-assinando a realização com Duke Johnson, um especialista nesta técnica de animação. Ligado, como argumentista, a projectos tão singulares como "Queres Ser John Malkovich?" (Spike Jonze, 1999) ou "O Despertar da Mente" (Michel Gondry, 2004), Kaufman vem provar, com "Anomalisa", que não há fronteiras para o desejo da narrativa — talvez esteja aqui o princípio de uma nova área de produção, para adultos, do cinema de animação… E porque não?