joao lopes
25 Nov 2016 22:33
Em alguns textos críticos (sobretudo dos EUA) sobre a obra cinematográfica de Tom Ford, encontramos com frequência a "ideia" de que os seus filmes são esteticamente muito rigorosos e elegantes. É verdade que são (lembremos a estreia na realização, em 2009, com "Um Homem Singular"), mas tal observação envolve uma pobre avaliação: porque Ford é um criador de moda, os seus filmes estão "obrigatoriamente" recheados de guarda-roupa e cenários sofisticados…
O segundo filme de Ford — "Animais Nocturnos" — confirma a pequenez dessa visão e, em contraponto, a espantosa energia criativa de tão raro cineasta. É verdade que esta história da dona de uma galeria de arte, Susan (Amy Adams, a caminho de um Oscar?), que recebe o manuscrito de um romance escrito pelo ex-marido, Edward (Jake Gyllenhaal), começa por se passar em ambientes marcados por grande requinte formal, mas Ford não é um "decorador"…
Que está, então, em jogo? Uma história de amor que se desagregou? O poder da ficção sobre a vida real? A ficção como vida real? Sem dúvida tudo isso, mas também a súbita vacilação das fronteiras do real, ameaçadas pela insensatez dos desejos que tão mal conhecemos — e quanto menos os compreendemos, mais eles nos assombram…
Ford arrisca numa espantosa estrutura tripartida: o presente em que Susan recebe o romance de Edward, o passado que ambos partilharam e, last but not least, o presente da própria ficção, isto é, a "reconstituição" mental do romance, com Edward, de acordo com a leitura de Susan, a assumir as funções de protagonista…
Em tempos recentes, não terá havido muitos filmes capazes de envolver o espectador numa teia tão densa, enigmática e paradoxalmente transparente. Ford filma, afinal, o impasse das relações humanas, aí onde o amor parece ser o segredo que tudo clarifica, mas também o instrumento que perverte qualquer possibilidade utópica — ele é um grande romântico, desesperado por já não ser possível acreditar no romantismo.