joao lopes
20 Out 2017 0:17
Bem sabemos que, sobretudo por causa de algumas memórias dos anos 60/70, a noção de "coprodução europeia" suscita, muitas vezes, uma suspeita automática… Muitos filmes houve em que a conjugação de contributos de vários países acontecia sem qualquer perspectiva aglutinadora desses contributos. "Porto" é um bom contra-exemplo: um filme singular, delicado e misterioso, nascido de uma coprodução entre Portugal, França, EUA e Polónia (sendo a parte portuguesa da empresa Bando à Parte, de Rodrigo Areias).
A assinatura do filme é mesmo de um brasileiro, Gabe Klinger, e o menos que se pode dizer é que ele ganhou a aposta de recuperar e, de alguma maneira, reinventar matrizes que provêm de um certo melodrama clássico. Aliás, o motor do filme é, desde logo, típico dessa tradição melodramática: duas personagens, ele americano, ela francesa, encontram-se num cenário "neutro" — o Porto, justamente — e vivem uma convulsiva aventura de amor à primeira vista.
Acontece que o cenário está longe de existir passivamente, se assim nos podemos exprimir… E uma das proezas essenciais de "Porto" consiste, justamente, em tratar a cidade, não como mero pano de fundo, antes como elemento sensual e misterioso que, por assim dizer, ecoa os desejos das duas personagens centrais. Neste aspecto, é fundamental sublinhar o decisivo contributo da direcção fotográfica de Wyatt Garfield, além do mais sabendo equilibrar as curiosas alternâncias de formato de enquadramento que pontuam o filme.
Na sua delicada contenção, os dois intérpretes principais, Anton Yelchin e Lucie Lucas, são decisivos para o romantismo "anti-romântico" que define a postura narrativa do filme: há neles uma espécie de ziguezague entre a abstracção dos desejos e o concreto dos corpos que contamina "Porto" com tocantes emoções. Foi, além do mais, um dos títulos finais de Yelchin (popular através de "Star Trek"), ele que faleceu em meados de 2016, contava 27 anos, num terrível acidente com o seu automóvel — o filme é dedicado à sua memória.