joao lopes
11 Nov 2019 0:32
Se mais razões não houvesse, o delicado tratamento da personagem de uma criança seria suficiente para prestarmos a devida atenção a um filme como "Luz da Minha Vida". A pequena e vulnerável Rag — interpretada por Anna Pniowsky, uma fulgurante revelação — é, de facto, uma invulgar presença cinematográfica, tratada com metódica sofisticação.
A dimensão feminina de Rag está verdadeiramente ameaçada, isto porque tudo se passa num mundo pós-apocalíptico em que todas as mulheres foram vítimas de uma epidemia — a sua condição de sobrevivente (única?) transforma-a em potencial vítima de uma conjuntura em que todos os valores de solidariedade se encontram em decomposição.
Estamos perante um filme genuinamente original e também profundamente pessoal. Casey Affleck é o actor/argumentista/realizador que, assim, se afirma, superando a dimensão simplista de "I’m Still Here" (2010), o seu "mockumentary" com Joaquin Phoenix. Além do mais, Affleck prova, assim, que a simples noção de ficção científica pode ser trabalhada muito para lá das rotinas de super-heróis e afins…
Affleck interpreta o pai de Rag, num registo que confere ao filme a vibração secreta de uma milagrosa fábula de aprendizagem (a cena em que ele explica à filha a origem dos bebés é de uma candura raramno cinema dos nossos dias). Enfim, uma vez mais, o essencial da actualidade cinematográfica não está necessariamente nos cartazes de rua e nos spots televisivos — é pena, mas o certo é que "Luz da Minha Vida" merece ser descoberto.