4 Jun 2014 17:28


A
nossa viagem ao passado recente começa em 1989, o ano em que a Cortina de Ferro
começou a desaparecer. Prestes
a vencer a Guerra Fria, os EUA tinham também o domínio no cinema e na televisão. As
opções da cultura popular norte-americana continuavam a marcar grande parte do mundo, ávido
consumidor dos seus produtos.

Nesse
ano, o filme preferido das audiências mundiais foi "Indiana Jones e a
Última Cruzada", com Steven Spielberg a dirigir Harrison Ford e Sean
Connery em mais uma aventura de chapéu e chicote.

As
regras da distribuição de cinema, continuavam a ditar a estreia em
primeiro lugar nos EUA e Canadá e só depois nos restantes países. Na época, era comum que filmes importantes chegassem a Portugal muitos meses depois do
lançamento na América do Norte ("Pretty Woman", por exemplo, saiu em
março de ’90 nos EUA e estreou por cá em outubro, mais de sete meses depois!).

O
Japão era o segundo mercado mais valioso, seguido pelos cinco grandes da
Europa: Reino Unido, República Federal da Alemanha, França, Espanha e Itália.

O Natal
continuava a ser uma altura chave para a venda de bilhetes de cinema, mas a
concentração de filmes importantes nos meses de verão ainda não era um hábito – sobretudo no sul da Europa onde o calor afastava o
público das salas.

A
Internet permanecia longe dos lares dos cidadãos comuns e os telemóveis continuavam a ser
raros, caríssimos e semelhantes a tijolos.

Os anos da diversidade


Para
lá de "Indiana Jones e a Última Cruzada", os outros sucessos globais
da altura incluíram "Batman", de Tim Burton, e a aventura de ficção
científica "Regresso ao Futuro Parte II". Os cinco títulos mais
vistos do ano tinham representantes de outros tantos géneros: aventura,
super-heróis, ficção científica, comédia e drama. Apenas dois eram sequelas.

Top
5 mundial 1989 (em USD)

1.
Indiana Jones e a Última Cruzada – 474 milhões

2.
Batman – 411 milhões

3.
Regresso ao Futuro Parte II – 332 milhões

4.
Olha Quem Fala – 297 milhões

5.
O Clube dos Poetas Mortos – 236 milhões

No
ano seguinte, "Ghost", o drama romântico com Patrick Swayze e Demi
Moore, dominaria as bilheteira com mais de 500 milhões de dólares em todo o
mundo. Note-se a presença de duas comédias – uma famíliar e outra um pouco mais
adulta – e também de dois dramas para adultos e de um filme de ficção
científica e ação. Não há uma única sequela entre os cinco mais vistos de 1990.

Top
5 mundial 1990 (em USD)

1.
Ghost-Espírito do Amor – 506 milhões

2.
Sozinho em Casa – 477 milhões

3.
Pretty Woman: Um Sonho de Mulher – 463 milhões

4.
Dança Com Lobos – 424 milhões

5.
Total Recall: Desafio Total – 261 milhões

A
tendência repete-se durante estes anos. Foi a altura de "Silêncio dos
Inocentes" (1991); "Instinto Fatal" e "O
Guarda-Costas" (1992); "A Firma" e "Papá Para Sempre"
(1993), "Forrest Gump" (1994); "Die Hard: A Vingança" e
"Apollo 13" (1995). Um misto de thrillers, dramas, comédias e filmes
de ação, maioritariamente para adultos – a exceção da lista é o filme com Robin
Williams.

O regresso da animação
As
mudanças começaram a notar-se com o regresso da animação da Disney aos grandes
sucessos globais, primeiro com "Aladino" – #1 mundial em 1992 –
depois com "O Rei Leão" (1994) e "Toy Story" (1995), o
primeiro grande sucesso da animação gerada por computador e a entrada em cena
da Pixar.

Surgiram também outras duas tendências importantes: a janela de tempo entre o lançamento
nos EUA e no resto do mundo diminuiu, e a aposta no verão globalizou-se.

Em
Portugal, "Os Flintstones" chegou às salas de cinema a 5 de agosto de 1994 e
"Batman Regressa" estreou um ano depois, a 4 de agosto de 1995, dois factos que interromperam a tradição de só estrear reposições, ou filmes de segunda
linha, durante os meses de maio a agosto.

Mas o
ano da viragem completa foi 1996, com "Dia da Independência" a
esmagar todos os recordes de bilheteira com 817 milhões de dólares.

Top
5 mundial 1996 (em USD)

1.
O Dia da Independência – 817 milhões

2.
Twister – 495 milhões

3.
Missão Impossível – 458 milhões

4.
O Rochedo – 335 milhões

5.
O Corcunda de Notre Dame – 325 milhões

Notam-se as tendências futuras do cinema comercial. Desapareceram os filmes
para adultos e a animação regressou em força. Surgiram os mega-blockbusters cheios
de efeitos especiais criados por computador que arrasaram os recordes de
bilheteira, uma tendência que se confirmaria um ano depois quando James Cameron
lançou "Titanic".

A
transição para o novo milénio ainda veria umas raras aparições dos
géneros tradicionais como a comédia romântica, ou o drama adulto, no topo das
listas de receitas mundiais, mas a preponderância de filmes apontado aos jovens era cada vez maior.

Depois
do fracasso de "Batman & Robin" (1997), a primeira geração de
super-heróis no cinema tinha chegado ao fim. Em 2000, a Fox estreou
"X-Men" com resultados modestos. O filme foi apenas #9 mundial com 296
milhões de dólares, mas lançou as bases para uma nova vaga liderada pela
Marvel que acabou por criar o próprio estúdio.

Crianças e adolescentes
Em
2001, surgiram as adaptações literárias de sucessos da fantasia
infanto-juvenil: "Harry Potter e a Pedra Filosofal" e "O Senhor
dos Anéis: A Irmandade do Anel" lideraram o box office em todo o mundo, algo
que viriam a repetir a cada novo capítulo nos anos seguintes. A este duo
de sucesso juntou-se ainda "Twilight" e, mais recentemente, "Hunger Games", para confirmar a importância da faixa infanto-juvenil para o negócio do cinema.

Quando saltamos para 2009, tomamos facilmente consciência de como tudo
mudou. James Cameron arrasou outra vez os recordes de bilheteira, desta
feita com "Avatar" – e com a ajuda de uma novidade tecnológica recuperada
de outros tempos, o 3D. As aventuras na lua Pandora chegaram aos 2.772 milhões
de dólares e os títulos que lhe fizeram companhia no top 5 anual permitiram ver até
que ponto mudaram os gostos e a oferta de cinema em sala:

Top
5 mundial 2009 (USD)

1.
Avatar – 2.772 milhões

2.
Harry Potter e o Príncipe Misterioso – 934 milhões

3.
A Idade do Gelo: Despertar dos Dinossauros – 887 milhões

4.
Transformers: A Vingança dos Caídos – 836 milhões

5.
2012 – 770 milhões

Os emergentes

Ao
mesmo tempo, apareceu uma nova vaga de filmes com super-heróis.
"Homem-Aranha", "Batman", "Super-Homem",
"X-Men", "Vingadores", "Homem de Ferro",
"Wolverine" – a lista é longa e tende a aumentar nos próximos anos. Em 2008, "Os Vingadores" tornaram-se o primeiro filme da Marvel a passar a marca dos mil milhões de dólares de receita em todo o mundo.

A
própria ordem de importância dos mercados mudou profundamente, nos últimos anos. A China passou a
ser o segundo mercado mundial mais importante acompanhada pelo crescimento
rápido da Rússia e do Brasil.

O impensável sucede hoje frequentemente:
os estúdios são
obrigados a ter em conta os gostos de espectadores em Xangai, Moscovo, ou São
Paulo. As próprias políticas de definição de datas mudaram e tornou-se comum
que um filme seja lançado primeiro a nível internacional e só depois nos
EUA.

Uma
relação dos géneros dos 10 filmes com maior receita bruta mundial nos últimos
cinco anos mostra bem como mudaram os hábitos de consumo de cinema.

Animação:
15 (inclui "Smurfs", "Gru o Maldisposto",
"Monstros", etc.)

Super-heróis:
9 (inclui "X-Men", "Batman", "Homem-Aranha",
etc.)

Aventura,
fantasia e ficção científica ligeira: 6 (inclui os "Harry Potter",
"Senhor dos Anéis", "Homens de Negro", "Hunger
Games" e "Twilight")

Acção:
5 (inclui os "Velocidade Furiosa" e "007")

Drama:
3 (inclui filmes para um público mais adulto como "Inception" ou
"Gravidade")

Comédias:
2 (os dois filmes de "A Ressaca")

Como vemos, das
prioridades dos estúdios desapareceram géneros como os dramas românticos ao
estilo de "Ghost-O Espírito do Amor", ou filmes mais sérios do
género "A Lista de Schindler", ou "O Resgate do Soldado Ryan".

Da
mesma forma, deixámos de ver comédias românticas como "Pretty Woman",
ou "Quatro Casamentos e um Funeral". Aliás, a comédia como sucesso de
bilheteira mundial, nos anos mais recentes, limita-se ao fenómeno "A
Ressaca" e pouco mais. Os thrillers e os policiais são um género em crise profunda nas salas de cinema, e os heróis de ação à moda antiga como Stallone, ou Schwarzenegger, arrastam-se pelas telas sem que surjam sucessores à altura.

Para onde foi o público mais adulto? Refugiou-se em casa e nas séries de televisão onde os géneros em crise no grande ecrã florescem com êxitos desde "CSI", "Dr. House", "Perdidos" ou "Anatomia de Grey" a os "Sopranos", "Sete Palmos de Terra" ou o mais recente ", "Guerra dos Tronos" que providenciam o tipo de entretenimento que o cinema deixou de dar.

  • cinemaxeditor
  • 4 Jun 2014 17:28

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