14 Fev 2024
Quando as vedetas regressaram à passadeira vermelha no início de janeiro, a seguir a duas greves contundentes, para celebrar o sucesso de “Oppenheimer” e “Succession”, uma ameaça existencial pairava sobre todos: Hollywood está a encolher.
A era do “pico da televisão” acabou, afirmaram 17 executivos do sector do entretenimento, agentes e financiadores que falaram com a Reuters.
Com menos séries e filmes originais, maior controlo sobre os orçamentos e uma maior pressão exercida sobre os lucros das salas de cinema, estes responsáveis afirmam que a indústria televisiva e cinematográfica se está a ajustar a uma realidade económica mais sóbria.
“A grande retração caiu sobre nós”, disse um experiente profissional da televisão, falando sob condição de anonimato. “Penso que haverá uma redução significativa na quantidade de conteúdos e no montante que neles é gasto.”
O cenário é também propício à fusão de empresas. O exemplo mais recente surge das conversações entre o proprietário da Paramount Global e o CEO da Skydance Media, David Ellison, magnata cujo estúdio co-produziu “Top Gun: Maverick”.
A concorrência alimentou um investimento “nunca sustentável”.
O analista TD Cowen estima que a publicidade na televisão encerrará 2023 com uma queda de 7% em relação ao ano anterior, com quebras totais de publicidade de 11,7% na Disney, de acordo com a LSEG. A Warner Bros Discovery relatou um declínio de 13% na publicidade nos primeiros nove meses de 2023. Com a imprensa escrita e a rádio, a televisão tradicional também tem sido “esvaziada” pela publicidade digital.
As perspetivas para 2024 não são melhores. A TD Cowen prevê que as receitas da publicidade televisiva caiam mais 7%. Embora as empresas de média estejam a expandir os seus negócios de publicidade digital, o negócio da televisão tradicional, que está a afundar-se, continua a representar 80% das receitas totais de publicidade, segundo a TD Cowen.
Os serviços de streaming, que supostamente deveriam levar a indústria para o futuro, também estão a lutar para alcançar a rentabilidade após anos de gastos excessivos. À medida que o sector entra naquilo que Moffett Nathanson descreve como o “terceiro ato das guerras do streaming”, as despesas de produção baixarão para níveis inferiores aos de 2022, altura em que a concorrência alimentou um investimento “nunca sustentável”.
A maioria dos serviços de streaming está a cobrar mais e a fornecer menos conteúdos novos, alimentando o ceticismo quanto à sua estratégia a longo prazo, de acordo com a TD Cowen.
Espera-se que o número total de séries com guião diminua drasticamente desde o auge de 633 produções lançadas em 2022. A combinação das greves de Hollywood e a restrição nos gastos já afetou a produção no ano passado, com apenas 481 séries americanas lançadas em 2023, de acordo com dados da empresa de pesquisa de mercado Ampere Analysis.
“Toda a gente está um pouco receosa do que deve fazer a seguir”.
Até mesmo a Netflix, líder de mercado, reduziu em mais de um terço o número de séries lançadas entre 2022 e 2023, segundo a Ampere. O serviço de streaming, que relatou ganhos recordes de assinaturas no quarto trimestre, não quis comentar.
Executivos que falaram à Reuters disseram que a indústria poderá cortar ainda mais a quantidade de projetos de ficção e ficar-se pela faixa das 300 séries nos próximos anos.
Em 2024, também as bilheteiras de cinema norte-americanas continuarão a sentir o impacto das greves de atores e argumentistas Apenas 90 filmes estão propostos para lançamento em larga escala este ano, contra cerca de 100 em 2023, segundo dados da Moffett Nathanson. Com uma lista de filmes cheia de histórias e personagens não testadas, a venda de bilhetes nos EUA deverá situar-se nos 8 mil milhões de dólares em 2024, menos 10% do que em 2023 e menos 30% do que em 2019.
Menos temporadas, menos episódios
Parece claro que a indústria está a abrandar. Os responsáveis pelo desenvolvimento estão a demorar mais tempo a dar luz verde a programas, mesmo para projectos de showrunners estabelecidos como Ronald D. Moore, cujos créditos incluem “For All Mankind” e “Outlander”.
Os orçamentos de produção estão a contrair-se – incluindo no serviço de streaming Apple TV+, cuja empresa-mãe, a Apple, tem uma capitalização bolsista de 3 mil milhões de dólares.
Programas que não conseguem atrair o público estão a ser cancelados mais rapidamente, como a série da Disney+ “American Born Chinese”, adaptação de um romance gráfico inovador protagonizado por dois vencedores de Óscares, Michelle Yeoh e Ke Huy Quan.
Um agente de televisão de renome chamou-lhe “a nova ordem mundial”, com temporadas mais curtas e menos episódios.
Outro exemplo, a Fox está a tentar reduzir as despesas com uma série dramática de prestígio de 10 milhões de dólares para 4,5 milhões de dólares por episódio. Na Disney, onde o diretor executivo Bob Iger enfrenta a oposição de acionistas militantes, os executivos da área de desenvolvimento estão sujeitos a um exame mais minucioso.
“Toda a gente está um pouco receosa do que deve fazer a seguir”, disse um importante gestor de talentos.
“Saturação dos super-heróis”
A indústria cinematográfica atravessa a sua própria crise existencial, à medida que os formatos outrora fiáveis se foram esbatendo nas bilheteiras. Um chefe de estúdio de longa data diz que há anos se ouve falar de “saturação dos super-heróis”. Um facto bem patente no ano passado, quando uma enxurrada de filmes de grande orçamento teve fraca aceitação, incluindo “As Marvels”, “Shazam: A Fúria dos Deuses” e “The Flash”.
Em resposta, os especialistas da indústria dizem que os estúdios se vão concentrar em menos projetos, mas mais ambiciosos, com o potencial de proporcionar um impacto cultural e de bilheteira da dimensão de “Oppenheimer” e “Barbie”. Ambos ajudaram a sustentar uma bilheteira de 2023 em que franquias bem estabelecidas caíram por terra.
“É preciso ter espetáculo”, reclama o executivo de um estúdio associado a um dos maiores sucessos de bilheteira dos últimos anos. “É fundamental: É preciso querer vê-lo enquanto está no cinema. Não podemos dar luz verde a algo em grande escala, se provavelmente poderíamos vê-lo em casa”.
O público recorre ao streaming para ver a maioria dos filmes, exceto os maiores e mais sonantes, observou TD Cowen. Em 2022, apenas 19 filmes de ação e aventura foram responsáveis por 56% da bilheteira total entre os 100 filmes mais vistos do ano. As perspetivas de uma recuperação sustentada, para além deste género de filmes de elevada intensidade, são questionáveis, observa a TD Cowen.
Este facto irá condicionar ainda mais as salas de cinema, afirma outro executivo e investidor de longa data do sector dos média que alertou para o drama de que serão lançados muito poucos filmes para justificar a manutenção de 39 mil ecrãs nos EUA, um sentimento que a TD Cowen subscreve. O negócio dos cinemas, disse este executivo, está “à beira do desastre”.