4 Jun 2020 0:28
Perto do final da apresentação da selecção oficial de Cannes 2020, Pierre Lescure, o presidente do festival, brincou com Thierry Frémaux, o seu delegado-geral, dizendo que, desta vez, não havia ninguém para perguntar: "Então não há filmes italianos?…"
É verdade: a plateia do UGC Normandie, a sala de Paris que, tradicionalmente, acolhe estas formalidades, era, afinal, um estúdio vazio (para a transmissão, em directo, do Canal +). Por isso, e apesar do carácter positivo dos discursos, o cerimonial foi inevitavelmente pontuado por uma nota de tristeza.
Os filmes de Wes Anderson, François Ozon, Viggo Mortensen (é um dos estreantes na realização a integrar a selecção oficial), Steve McQueen ou Thomas Vinterberg vão ficar como símbolos paradoxais de uma 73ª edição que… não aconteceu.
Dito isto, convém lembrar e, de algum modo, reforçar o outro lado da questão. As palavras que foram ditas, em particular por Frémaux (reforçando o que já escrevera num texto previamente divulgado no site oficial do festival), envolvem três opções de grande firmeza e significado:
— em primeiro lugar, trata-se de apoiar os títulos escolhidos, dando-lhes uma visibilidade imediata, em particular para o Mercado do Filme (que irá acontecer em versão virtual, de 22 a 26 de junho);
— depois, estão abertos caminhos para que muitos desses filmes venham a ser exibidos, com a chancela de Cannes, em diversos festivais que se realizarão no segundo semestre do ano, como Toronto, San Sebastian e Roma, ou ainda Sundance (já em janeiro de 2021);
— finalmente, tudo isto só faz sentido em função de uma lógica de fundo: “(…) depois de meses de encerramento, a reabertura das salas de cinema é uma questão crucial.”
Quer isto dizer que a resistência dos organizadores do Festival de Cannes a "transferirem" o seu evento para a Net adquire, agora, mais do que nunca, o seu significado pleno. Daí a mensagem pedagógica: não se trata de ignorar ou desvalorizar o lugar hoje em dia ocupado pelas plataformas de "streaming"; trata-se, ainda e sempre, de reafirmar e defender o circuito das salas como elemento fundamental, não dispensável, da identidade comercial & cultural do próprio cinema.