16 Jan 2017 22:30
Na história do cinema português, Maria Cabral é uma das personalidades que tem, por certo, uma das filmografias mais curtas. O certo é que isso não impede que, há várias décadas, ela seja também um dos nomes mais lendários dessa história — a actriz faleceu no dia 14 de Janeiro, em Paris, contava 75 anos.
Foi, afinal, a intérprete central de um título — "O Cerco" (1970), de António da Cunha Telles — que acabou por se tornar um dos símbolos mais fortes do Cinema Novo português. Nesse movimento, havia já, como é óbvio, várias obras emblemáticas, a começar por "Os Verdes Anos" (1962), de Paulo Rocha (produzido por Cunha Telles), mas "O Cerco" impôs-se como um retrato à flor da pele das ilusões e desilusões portuguesas no arranque da década de 70.
Maria Cabral interpretava uma mulher, algo à deriva, procurando encontrar o seu próprio caminho numa Lisboa nem sempre muito transparente nas suas relações internas. Dois anos mais tarde, portanto em 1972, surgiria a protagonizar "O Recado", de José Fonseca e Costa, outro filme-símbolo da época, neste caso centrado numa teia romanesca em que emergia, como um fantasma, a repressão da PIDE.
A actriz não fez, propriamente, uma "carreira". Nos anos 70, trabalhou no teatro, em França, vindo a rodar apenas mais três filmes: "Vidas" (1984), um drama centrado no conflito de gerações, de novo sob a direcção de Cunha Telles, "No Man’s Land" (1985), realizado pelo suíço Alain Tanner, e "Um Adeus Português" (1986), uma visão da complexa herança afectiva da Guerra Colonial assinada por João Botelho.
É curioso recordar que, ao escolher Maria Cabral para "O Cerco", Cunha Telles contrariou um princípio mais ou menos universal segundo o qual seria "obrigatório" privilegiar intérpretes com experiência teatral (além de uma breve experiência como apresentadora televisiva, tinha apenas trabalhado como modelo, em fotografia e publicidade). O certo é que a verdade da sua presença, entre a candura e o espontaneísmo, a transformou numa actriz cuja identidade se construiu apenas através do cinema — mais do que um símbolo, a sua imagem possui a intensidade de um ícone.