10 Dez 2016 22:09
O nome de Alberto Seixas Santos fica indissociavelmente ligado às memórias do Cinema Novo português, mas também à evolução conceptual e institucional do cinema português — faleceu em Lisboa, a cidade onde nasceu, a 10 de Dezembro de 2016, contava 80 anos.
Como outros membros da sua geração, estudou cinema em Paris e Londres, vindo a envolver-se na actividade cineclubista (ABC Cineclube de Lisboa) e na reflexão teórica (foi crítico de cinema em publicações como as revistas "Imagem", "Seara Nova" e "O Tempo e o Modo"). Esteve também ligado a cooperativas de produção como o Centro Português de Cinema e o Grupo Zero.
A sua trajectória passou pela gestão do Instituto Português de Cinema (cuja presidência assumiu em 1977), a Escola Superior de Teatro e Cinema (onde leccionou entre 1980 e 2002) e a RTP (na segunda metade da década de 80, como director-adjunto de programação, no período em que Carlos Pinto Coelho teve o cargo de director).
Foi um autor genuinamente português, no sentido em que a sua pesquisa, através de novas linguagens, nunca derivou para soluções distantes da vida dos cidadãos — muito em particular, os seus filmes estão marcados por elementos viscerais da história do nosso país, desde o final do salazarismo até às perplexidades do novo milénio.
Ainda que com apenas cinco longas-metragens, a criação cinematográfica de Seixas Santos define um painel invulgar — pela contundência temática e pela ousadia experimental — em que se refletem as convulsões da sociedade portuguesa, desde o período colonial até aos dramas da evolução democrática. Foram elas:
* BRANDOS COSTUMES (1975) — os valores da ideologia salazarista são encenados em contraponto com uma cena familiar dominada pela figura paterna; combinando imagens de arquivo e situações assumidamente teatralizadas, além de uma reflexão fundamental sobre o pré-25 de Abril, é um exemplo admirável de combinação de materiais documentais e ficcionais.
* GESTOS & FRAGMENTOS (1982) — Notável filme, genuinamente político — uma vez mais, documento e ficção entrelaçam-se de modo fascinante: Otelo Saraiva de Carvalho e Eduardo Lourenço são personagens que se apresentam através de reflexões várias sobre o pós-25 de Abril; Robert Kramer (o cineasta americano de "Milestones") protagoniza uma aventura "policial" centrada nos enigmas do 25 de Novembro.
* PARAÍSO PERDIDO (1992) — Ainda que penalizado pelas complicações de produção que arrastaram a sua produção ao longo de vários anos, este é um filme precioso sobre a herança colonial portuguesa, dramaticamente filtrada pela relação entre um professor universitário (Rui Mendes) e uma mulher (Maria de Medeiros) trinta anos mais jovem que ele — uma obra fundamental, infelizmente pouco conhecida.
* MAL (1999) — É, em tudo e por tudo, um filme de final de milénio: pelo simbolismo do contexto histórico e também pela sensação, ao mesmo tempo visceral e espiritual, de um tempo em que todas as relações, da família à sexualidade, surgem assombradas por uma trágica desagregação moral. À sua maneira, Seixas Santos foi também um exemplar humanista.
* E O TEMPO PASSA (2011) — Porventura assumindo mais do que nunca a herança de Jean Renoir, Seixas Santos encena aqui as contradições de um tempo (o nosso) em que as relações entre gerações estão marcadas por uma cruel instrumentalização da juventude, abusivamente reduzida a uma entidade telenovelesca — uma raridade crítica e ética no cinema português.
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A imagem que ilustra este texto é extraída de um documentário sobre a obra de Alberto Seixas Santos, "Refúgio e Evasão", realizado em 2014 por Luís Alves de Matos.
A Escola Superior de Teatro e Cinema homenageou o cineasta a 10 de Abril de 2014, numa sessão em que lhe foi atribuída a Medalha de Conhecimento e Mérito do Instituto Politécnico de Lisboa.
Em Março deste ano, a Cinemateca organizara uma retrospectiva integral dos seus filmes, com a designação de "O realismo utópico".