16 Jan 2025
David Lynch, o cineasta, escritor e artista norte-americano que foi nomeado para os Óscares de melhor realizador por “Veludo Azul”, “O Homem Elefante” e “Mulholland Drive” e co-criou a inovadora série televisiva “Twin Peaks”, morreu aos 78 anos, disse a sua família na quinta-feira.
“É com profundo pesar que nós, a sua família, anunciamos o falecimento do homem e do artista David Lynch”, diz um comunicado na página de Facebook de Lynch. “Há um grande buraco no mundo agora que ele já não está entre nós. Mas, como ele diria, ‘Mantém os olhos no donut e não no buraco’”.
No ano passado, Lynche revelou que lhe tinha sido diagnosticado um enfisema após uma vida inteira de tabagismo o que o impediria de continuar a sair de casa para realizar filmes.
Com as suas obras visualmente deslumbrantes, perturbadoras e inescrutáveis, repletas de sequências de sonho e imagens bizarras, Lynch foi considerado um mestre do surrealismo e um dos cineastas mais inovadores da sua geração.
Recebeu um Óscar honorário em 2019 pelos seus feitos ao longo da vida.
O enigmático artista e devoto da meditação transcendental preferiu não explicar os seus complexos e desconcertantes filmes, que incluíam “Um Coração Selvagem”, a Palma de Ouro de 1990 do Festival de Cannes, o filme de terror de 1977 “Eraserhead” e o mistério de 1997 “Lost Highway: Estrada Perdida”.
“Um filme ou uma pintura, cada coisa é o seu próprio tipo de linguagem e não é correto tentar dizer a mesma coisa em palavras. As palavras não estão lá”, disse ele ao jornal The Guardian numa entrevista em 2018.
O seu estilo de cinema deu origem ao termo Lynchian, que a revista Vanity Fair descreveu como estranho, arrepiante e lento. Nos seus filmes, Lynch inseriu o macabro e o perturbador no comum e mundano e aumentou o impacto com música.
Lynch disse que não se interessava apenas pela história, mas também pelo clima de um filme, definido pelos elementos visuais e sonoros trabalhados em conjunto.
“O seu olho para o pormenor absurdo que faz sobressair uma cena e o seu gosto por materiais arriscados e muitas vezes grotescos fizeram dele, talvez, o excêntrico mais venerado de Hollywood, uma espécie de Norman Rockwell psicopata”, afirmou o New York Times em 1990.
Ícone da contracultura
Lynch, um ex-escoteiro que chegou a ser descrito pelo produtor Mel Brooks como um “Jimmy Stewart de Marte”, cresceu para ser um ícone da contracultura, mas suas raízes estavam firmemente plantadas numa pequena cidade.
David Keith Lynch nasceu a 20 de janeiro de 1946 em Missoula, Montana, sendo o mais velho de três filhos. O pai trabalhava para o Departamento de Agricultura dos EUA e a família mudava-se frequentemente. Lynch descreveu uma vez a sua infância como um “mundo muito bonito e perfeito”.
Mas, enquanto estudante de arte na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, na década de 1960, deparou-se com o lado mais sujo da América, enquanto vivia numa zona de Filadélfia dominada pelo crime e degradada, com a mulher e a filha bebé. Descreveu a cidade como a maior influência da sua vida.
A experiência inspirou “Eraserhead”, o perturbador e alucinante filme de estreia que se tornou um êxito de culto nos cinemas da meia-noite. Depois de ver o filme, Brooks, o produtor de “O Homem Elefante”, contratou Lynch para o realizar.
“The Elephant Man”, sobre um homem gravemente deformado na Londres vitoriana, foi nomeado para oito Óscares da Academia em 1981. Embora não tenha conseguido ganhar um Óscar, lançou Lynch no mainstream. Mas o seu filme seguinte, o épico de ficção científica “Dune”, de 1984, foi um fracasso de bilheteira.
Dois anos mais tarde, Lynch voltou ao topo com “Veludo Azul”, que se debruçava sobre o misterioso submundo de uma pequena cidade da Carolina do Norte. Alguns críticos consideraram-no a sua obra-prima e o melhor filme da década.
“Veludo Azul” representa algo que nunca foi visto antes e que, muito provavelmente, nunca mais será visto: um filme underground feito com os meios de Hollywood e a habilidade de Hollywood.
Lynch mudou para o pequeno ecrã em 1990, quando criou a série policial de mistério “Twin Peaks” com Mark Frost para a ABC. A série vencedora de um Emmy tornou-se um fenómeno cultural e foi revivida em 2017.
“Mulholland Drive”, o mistério de Lynch em Hollywood em 2001, começou como um piloto de TV, mas foi abandonado pelo canal e acabou por chegar ao grande ecrã. Foi considerado o melhor filme do século XXI até à data, numa sondagem da BBC de 2016 com 177 críticos de todo o mundo.
Nos seus últimos anos, Lynch, um verdadeiro homem do Renascimento, dedicou-se à realização de documentários, curtas-metragens, pintura e um canal no YouTube. Lançou álbuns, vídeos musicais, bandas sonoras e livros, incluindo o seu livro de memórias de 2018 “Room to Dream”.
O aclamado realizador foi casado quatro vezes e pai de quatro filhos.
“Adoro o que faço e posso trabalhar nas coisas que quero trabalhar. Gostaria que todos tivessem essa oportunidade”, disse numa entrevista ao site Vulture em 2018.