16 Mar 2021 0:17
Os Óscares da Academia de Artes e Ciências estão apostados em refazer as imagens e, mais do que isso, a percepção dos afro-americanos na produção de Hollywood. Sinal muito directo disso mesmo é a presença de Chadwick Boseman (1976-2020) nas nomeações para melhor actor, pela sua composição em "Ma Rainey: A Mãe do Blues" — tudo indica que, postumamente, será distinguido com o Óscar de melhor actor.
Para lá dos juízos de valor necessariamente (e salutarmente) contrastados que os filmes podem suscitar, vale a pena lembrar que Boseman está também no elenco de "Da 5 Bloods: Irmãos de Armas"", de Spike Lee, por certo um dos títulos mais radicais que, em anos recentes, se fizeram sobre a condição afro-americana — para mais, com ressonâncias muito directas sobre a herança traumática da guerra do Vietname. Onde está, então, "Da 5 Bloods"? Quase não está… tem uma única nomeação para Terence Blanchard, na categoria de melhor música [exemplo: "What This Mission’s About"].
Dito de outro modo: os Óscares só terão a ganhar se se afastarem de uma qualquer formatação por quotas, de modo a não suscitarem interrogações deste teor. Mais do que isso: a diversidade de representação seja de quem for só terá verdadeira consistência se decorrer de uma diversidade primordialmente artística.
Não simplifiquemos, por isso. Com ausências mais ou menos desconcertantes, as nomeações deste ano envolvem uma pluralidade francamente interessante, desde logo desmentindo a ideia segundo a qual as plataformas de streaming (perversamente "favorecidas" pelo confinamento global dos espectadores) iriam esmagar toda a concorrência.
Registemos, assim, o facto de a presença dos grandes títulos do streaming — com inevitável destaque para o duo da Netflix: "Mank" e "Os 7 de Chicago" — acontecer a par de alguns legítimos representantes da área tradicionalmente chamada dos independentes. Neste domínio, os destaques vão para "Nomadland", da Searchlight Pictures (ex-Fox, agora integrada no império Disney), e "Minari", produção americana predominantemente falada em coreano, produzida pela A24, estúdio que continua a a não depender de nenhuma "major", em associação com a Plan B, de Brad Pitt [trailer].
Ficam mais alguns dados curiosos, envolvendo algum factor surpresa.
Desde logo, duas ausências:
— apesar das suas dez nomeações, "Mank" não surge na categoria de argumento original (da autoria de Jack Fincher, pai de David Fincher), facto estranho porque não parece possível consagrar o filme de forma tão óbvia ignorando a sua estrutura narrativa;
— "A Sun", produção de Taiwan que, segundo alguns analistas americanos, era o vencedor "antecipado" do Óscar de filme internacional, não chegou sequer às nomeações.
Enfim, duas presenças de incontestável valor simbólico:
— "Druk/Mais uma Rodada", de Thomas Vinterberg, surge em duas categorias muito fortes — realização e filme internacional —, colocando a Dinamarca em evidência no panorama geral das nomeações [trailer].
— Trent Reznor e Atticus Ross, a dupla dos Nine Inch Nails, estão nomeados duas vezes na categoria de melhor música: por "Mank" e "Soul" (neste caso em parceria com Jon Batiste, músico de jazz especialmente conhecido como pianista de "The Late Show", com Stephen Colbert).