18 Ago 2019 2:52
Com a morte de Peter Fonda, no dia 16 de Agosto, contava 79 anos [obituário: "Vanity Fair"], desapareceu um dos símbolos mais exemplares de toda uma conjuntura de profundas e dramáticas transformações do cinema americana. Desde logo, claro, porque ele é a outra metade de "Easy Rider" (1969), projecto genuinamente independente que concretizou com o seu amigo Dennis Hopper — Fonda como produtor, Hopper como realizador, ambos como actores.
Dir-se-ia que "Easy Rider" foi um dos derradeiros "westerns", aliás do mesmo ano de "A Quadrilha Selvagem", de Sam Peckinpah, outra referência emblemática da desagregação da mitologia do velho Oeste. Com uma diferença fundamental: "Easy Rider" era uma epopeia do presente — e para o presente —, encenando uma descoberta da paisagem que já não satisfazia a utopia de uma nação em permanente reinvenção [trailer original].
Fonda acabou por ser uma star sempre adiada ao longo de muitos títulos das décadas seguintes, divagando por produções nem sempre muito estimulantes. Seja como for, a referência de "Easy Rider" está longe de esgotar as memórias do filho de Henry Fonda (1905-1982), figura tutelar da idade de ouro de Hollywood, irmão de Jane Fonda (foi a ela que, em 1998, dedicou a autobiografia "Don’t Tell Dad").
Lembremos, por isso, alguns dos títulos que definem Peter Fonda como um actor brilhante, mesmo se as convulsões da história nem sempre contribuiram para o simples (re)conhecimento do seu talento:
* LILITH E O SEU DESTINO (1964) — Obra-prima de Robert Rossen, um dos mestres mais esquecidos do classicismo americano. Peter Fonda é um magnífico secundário no interior da teia dramática que se tece entre razão e loucura, com Jean Seberg e Warren Beatty nos papéis centrais [genérico de abertura, música de Kenyon Hopkins].
* THE WILD ANGELS (1966) — Retrato de um grupo motards, digamos que é um antepassado feérico, quase rocambolesco, de "Easy Rider", simbolizando a singular energia que a série B pode envolver — com assinatura de Roger Corman, um dos mais admiráveis especialistas desse modelo de produção.
* O REGRESSO (1971) — "Western" de desencantado romantismo (título original: "The Hired Hand"), pertence à colecção de histórias do Oeste que contribuiram decisivamente para rever e questionar os pressupostos dramáticos e ideológicos das clássicas aventuras de cowboys. Para mais, Fonda assume com exemplar equilíbrio as funções de intérprete principal e realizador.
* LAÇOS DE OURO (1997) — Realizado por Victor Nuñez, este "Ulee’s Gold" encena um conflito de gerações em que Fonda interpreta um apicultor da Florida enredado numa perturbante teia familiar. Já nomeado para um Oscar por "Easy Rider", para melhor argumento original, conseguiu aqui a sua segunda e derradeira nomeação, desta vez na categoria de melhor actor.
* O FALCÃO INGLÊS (1999) — Na filmografia do realizador Steven Soderbergh, esta é uma das mais sofisticadas evocações das matrizes clássicas do "thriller". Fonda surge num elenco recheado de veteranos, a par de Terence Stamp, Lesley Ann Warren e Joe Dallesandro [trailer].