06 Mar 2024
O realizador português António-Pedro Vasconcelos, autor de filmes como “O Lugar do Morto” e “Os Imortais”, morreu em Lisboa, os 84 anos, revelou a família em comunicado.
“A família de António-Pedro Vasconcelos informa que o nosso A-PV partiu esta noite, a poucos dias de completar 85 anos de uma vida maravilhosa”, pode ler-se no comunicado divulgado hoje.
Nascido em Leiria a 10 de março de 1939, António-Pedro Vasconcelos foi realizador, produtor, crítico e professor, tendo fundado o Centro Português de Cinema, como indica a biografia patente na Academia Portuguesa de Cinema.
A par do cinema, tendo assinado vários êxitos de bilheteira, como “A Bela e o Paparazzo” (2010), António-Pedro Vasconcelos também foi crítico de literatura e cinema, cronista e comentador televisivo, “com forte intervenção cívica”, como escreveu José Jorge Letria no livro de entrevista com o realizador, “Um cineasta condenado a ser livre” (2016).
Um dos campos de intervenção foi a Associação Peço a Palavra, que se bateu publicamente contra a privatização da TAP.
“Hoje, mais do que nunca, temos a certeza que o nosso A-PV, que tanto lutou para que todos fôssemos mais justos, mais corretos, mais conscientes, sempre tão sérios e dignos como ele, será sempre um Imortal”, escreveu a família em comunicado.
Um dissidente que quis filmar até ao fim
António-Pedro Vasconcelos foi um dos principais nomes do cinema português das últimas décadas, grande crítico do modelo de apoio ao setor, considerava-se um dissidente e quis filmar até ao fim.
Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1961, através da qual estudou na Sorbonne, em Paris, começou por trabalhar em publicidade, a que se seguiram os documentários “Exposição de Tapeçaria” (1968) e “Fernando Lopes-Graça” (1971).
Na ficção estreia-se com “Perdido por Cem”, em 1973, que realizou e escreveu, dando início a uma longa carreira de 50 anos com múltiplos títulos populares.
Antes da viragem do século, realizou vários filmes que se tornaram em sucessos de bilheteira, como “O Lugar do Morto”, em 1984, ou “Jaime”, de 1999, que foi premiado no Festival de Cinema de San Sebastián, em Espanha.
Na lista dos 40 filmes portugueses mais vistos desde 2004 figuram outras três obras com a sua realização: “Call Girl”, de 2007, visto por mais de 230 mil espectadores, “A Bela e o Paparazzo”, de 2010, e “Os Gatos Não Têm Vertigens”, de 2014.
Vencedor de prémios Sophia, em Portugal, foi ainda distinguido em 2020 pela Academia Portuguesa de Cinema com um prémio de carreira.
Escreveu para múltiplas publicações, desde a Colóquio à O Tempo e o Modo, ao Cinéfilo ou, mais recentemente, à revista Visão.
Segundo a biografia da Escolas de Atores, onde foi professor de História do Cinema, presidiu ao Grupo de Trabalho do Livro Verde para a Política do Cinema e Audiovisual e dirigiu a Associação Portuguesa de Realizadores e a Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais, assim como o Secretariado Nacional do Audiovisual.
Crítico da política de apoios em Portugal, desencantado com muito do cinema produzido na Europa e com o afastamento do público, o realizador, produtor, crítico e professor disse à Lusa, em 2012, aquando de uma homenagem que lhe foi prestada pelo Fantasporto: “Eu não saí do sítio, eu acho que sou um dissidente, sempre defendi a mesma coisa, sempre defendi os mesmos autores, o mesmo tipo de cinema, sempre”.
“Aquilo que me fez apaixonar pelo cinema na minha adolescência e depois na minha juventude, aquilo que permaneceu, que depois se chamou cinefilia, foi precisamente a minha paixão por esses grandes autores que faziam filmes comoventes e que despertavam toda a espécie de emoções e sentimentos nas pessoas, desde o Chaplin a Hitchcock, passando por Capra, Fellini, Truffaut e até Scorsese”, contou à Lusa.
“Eu mantive-me fiel àquilo que foi a minha paixão de juventude, que foi o cinema que me comove, que me transforma, que é a experiência única de me sentar numa sala de cinema e ser tocado por um filme”, afirmou, em 2012, altura em que nomeou João César Monteiro (1939-2003) como o cineasta mais interessante da sua geração.
Nessa entrevista, António-Pedro Vasconcelos repetiu algo que já dizia há anos em relação ao cinema nacional: “Afunilou-se num determinado tipo de gosto”, numa herança que já vem do Estado Novo de determinação do “bom gosto” através da atribuição de financiamento.
“É sempre bom que os filmes portugueses tenham prémios lá fora. Percebo que os realizadores premiados estejam felizes com isso, mas nós temos de começar por ter um cinema em que os portugueses se revejam”, disse.
Em 2022, lançou o mais recente título da sua filmografia, “Km 224”, com produção de Paulo Branco, com quem se tinha reconciliado após décadas de afastamento e com quem estava a desenvolver um projeto de adaptação de “Lavagante”, uma obra inacabada do escritor José Cardoso Pires, editada a título póstumo em 2008.
“Eu gosto de fazer filmes para as salas, tenho a noção de que a prazo não direi que está condenado, mas é uma coisa que vai representar muito pouco na economia do cinema. Enquanto eu puder fazer filmes, e enquanto houver salas, vou fazendo, mas deixou de ser a minha prioridade. A coisa que eu mais gosto na vida é filmar com atores, mas se não filmar, farei outra coisa. Gosto muito de escrever e tenho projetos de livros para escrever”, disse à Lusa, em 2022.
A par do cinema, tendo assinado vários êxitos de bilheteira, como “A Bela e o Paparazzo” (2010), António-Pedro Vasconcelos também foi crítico de literatura e cinema, cronista e comentador televisivo, “com forte intervenção cívica”, como escreveu José Jorge Letria no livro de entrevista com o realizador, “Um cineasta condenado a ser livre” (2016).
No comentário televisivo, António-Pedro Vasconcelos, adepto do Benfica, integrou o programa de debate desportivo “Trio d’Ataque”, da RTP, do qual saiu em 2011.
Um dos campos de intervenção foi na Associação Peço a Palavra, que dirigiu, e através da qual que se bateu publicamente contra a privatização da TAP. Também integrou movimentos de defesa do serviço público, como o que existiu em 2012, durante o período da ‘troika’.
Em 1992, foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique pelo então Presidente da República, Mário Soares, para quem tinha feito os tempos de antena.
Presidente da República recorda o “defensor e praticante do cinema de grande público”
O Presidente da República recordou hoje o cineasta António-Pedro Vasconcelos, que morreu aos 84 anos, como “defensor e praticante do cinema de grande público”, assim como pela sua intervenção cívica e política, que marcou o espaço público português.
Numa nota publicada no sítio da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa recordou que “a partir de finais dos anos 1960, António-Pedro Vasconcelos foi um dos críticos e cineastas que prolongaram a esperança num cinema novo português, desalinhado do regime e alinhado com o cinema europeu”.
“Dirigiu documentários, uma ficção, e depois da Revolução esteve com o cinema militante”, apontou.
Na sua nota, Marcelo Rebelo de Sousa recordou-o também como “homem culto, frontal, interventivo e intempestivo”, que “gostava de literatura, da clareza e acutilância da prosa de Stendhal, dos grandes mestres do cinema clássico americano, e envolveu-se em campanhas políticas e em combates cívicos, ligados por exemplo à RTP e à TAP”.
O Presidente da República manifestou à família de António-Pedro Vasconcelos o seu pesar e o seu reconhecimento, sublinhando a “antiga e grande amizade” que o unia ao cineasta.
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, lamentou hoje a morte do realizador António-Pedro Vasconcelos, aos 84 anos, em Lisboa, descrevendo-o como uma “figura decisiva na renovação do cinema português”.
O autor de filmes como “O Lugar do Morto” e “Os Imortais”, morreu em Lisboa, “a poucos dias de completar 85 anos de uma vida maravilhosa”, revelou hoje a família, em comunicado.
Numa nota de pesar publicada nas redes sociais, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, recordou a atividade de António-Pedro Vasconcelos, não apenas como realizador, mas também como crítico literário e de cinema, como argumentista, produtor, e na definição de políticas públicas para o cinema.
“Foi além de tudo e antes de tudo, um cidadão empenhado e inconformado, comprometido desde sempre com os rumos da democracia, designadamente na defesa do serviço público de rádio e televisão”, sublinha a mesma nota.
O ministro recordou ainda os seus primeiros filmes — “Perdido por Cem…” (1973), “Adeus até ao meu regresso” (1974) e “Oxalá” (1979) -, que “imediatamente o estabelecem como um dos principais autores da nova geração”.
“Mais tarde, defende a necessidade de conciliar o cinema (português) com o grande público, ambição que concretiza na prática”, em filmes como “Aqui Del´Rei” (1992) e “Jaime” (1999).
O ministro da Cultura lembrou também o papel de Vasconcelos na definição de políticas públicas para o setor, como coordenador do Secretariado Nacional para o Audiovisual, e a nível europeu, como presidente do grupo de trabalho para o Livro Verde da Comissão Europeia para o Audiovisual.