joao lopes
6 Dez 2018 23:42
Esta imagem do filme "O Livro de Imagem" tem tanto de nostalgia como de observação histórica.
Nela encontramos uma velha bobina de película de 35mm, material entretanto transformado em relíquia do passado — afinal de contas, é por esse material que passa mais de um século de história do cinema.
Ao mesmo tempo, é uma imagem de luto: a película apresenta-se corroída e degradada…
… mas foi também colorida pelas mãos do cineasta.
Dito de outro modo: ao fazer "O Livro de Imagem", Jean-Luc Godard assume-se como artesão de uma arte cinematográfica que ele sente desaparecer na voragem do digital, ao mesmo tempo celebrando-a através dos meios de manipulação interiores ao próprio cinema.
Foi um acontecimento tão radical no Festival de Cannes [ver texto de Maio passado] que o júri, presidido por Cate Blanchett, se sentiu compelido a atribuir-lhe um prémio não previsto nos regulamentos — uma Palma de Ouro "especial".
E, no entanto, este é o mais simples dos filmes: percorremo-lo como quem lê os fragmentos de um bloco-notas.
É isso, aliás, que Godard vem fazendo desde as suas monumentais "História(s) do Cinema" (1988-1998), agora reeditadas em DVD. A saber: reunir notas de uma visão do mundo que observa a contaminação do cinema pelos automatismos televisivos, ao mesmo tempo que não desiste de preservar a memória trágica do século XX, o "século do cinema".
No fundo, Godard é alguém que nos traz notícias do estado do mundo, discutindo a própria linguagem em que comunicamos ou julgamos comunicar — e esse é o mais belo gesto poético.