joao lopes
18 Mar 2016 23:47
O mínimo que poderíamos dizer face a um livro tão rico, complexo e fascinante como "Uma História de Amor e Trevas" é que a sua passagem para cinema se afiguraria uma tarefa à beira do impossível. De facto, a autobiografia do escritor israelita Amos Oz (n. 1939) é um labirinto de personagens, histórias e memórias que, até pela sua extensão, desafia qualquer "transcrição" fílmica.
Pois bem, Natalie Portman conseguiu a proeza de "condensar" as recordações de Oz num filme que combina, de forma equilibrada e consistente, o fôlego de um grande fresco histórico com a dimensão mais secreta e intimista de uma evocação na primeira pessoa. Os resultados são tanto mais surpreendentes quanto este é o primeiro trabalho de fundo de Portman como realizadora, para mais acumulando as tarefas de argumentista.
Obviamente não por acaso, Portman atribuiu a si própria a tarefa de interpretar Fania, mulher de Arieh (Gilad Kahana) e mãe do narrador, Amos (Amir Tessler). Concentrando a acção nos anos que conduziram à formação do Estado de Israel, em 1948, quando Amos ainda é uma criança, o filme possui a estrutura paradoxal de um evocação intensamente subjectiva: os elementos históricos são muito concretos e dramáticos, a visão do protagonista favorece um sentimento de fábula mais ou menos irrealista.
Mesmo não escamoteando o facto de "Uma História de Amor e Trevas" excluir muitas situações e personagens emblemáticas do livro de Oz (por exemplo, a tia, irmã de Fania, que conta a Amos muitas histórias mais ou menos fantásticas), este é um objecto capaz de revitalizar uma matriz clássica do filme-histórico. A sua regra nº 1 consiste em não perder a irredutibilidade das personagens face às convulsões da história colectiva.