Algures na teia de


joao lopes
24 Set 2015 0:37

… E chega às salas escuras o volume 2, intitulado "O Desolado", do filme "As Mil e uma Noites", de Miguel Gomes (a terceira e última parte está agendada para 8 de Outubro). O menos que se pode dizer é que este é um lançamento tanto mais oportuno quanto se trata do candidato português à nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro.

Seria óptimo se o filme chegasse a tal patamar, mas o mais básico pragmatismo manda que se diga que a força promocional do cinema português é fraca, mesmo quando (como é o caso) se trata de uma obra assinada por um dos cineastas portugueses com mais significativa projecção internacional (em especial depois da estreia em muitos países do seu filme anterior, "Tabu").
Em todo o caso, sublinhemos a peculiar energia de um projecto que consegue, de facto, essa proeza fundamental de possuir uma dimensão universal, não através de qualquer "abstraccionismo" gratuito, antes sublinhando as singularidades da situação (portuguesa) que coloca em cena.
Nesta perspectiva, creio que se deve reforçar uma ideia fulcral, obviamente decorrente da memória próxima do volume 1, "O Inquieto" — assim, não estamos tanto perante três filmes, mas mais face a um único e imenso filme (totalizando cerca de seis horas e meia de duração) em que cada elemento ou cada "história" remete para todos os outros segmentos que, por sua vez, através das suas relações, encontram a sua unidade global.
Agora, encontramos: o caso de um assassino que se transforma numa espécie de "herói popular"; uma espantosa cena de um julgamento num anfiteatro primitivo (com condução de uma juíza interpretada pela impecável Luísa Cruz); um cãozinho que já pertence ao mundo próximo dos fantasmas… Enfim, histórias deste mundo e do outro que justificam a designação, tão inesperada quanto sedutora, de realismo fantástico.
A continuada presença de Xerazade (Crista Alfaiate) confere ao filme a sua vital ambivalência: tudo se passa no interior de uma teia de narrativas que se vão acumulando e mutuamente devorando; ao mesmo tempo, nada disso contraria (bem pelo contrário) uma fortíssima impressão de realidade — este é, afinal, um objecto do nosso aqui e agora.  

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