Christoph Waltz e Amy Adams — uma fábula sobre a identidade artística


joao lopes
26 Fev 2015 19:50

Como muitas vezes acontece quando um cineasta se "desvia" das marcas mais óbvias do seu cinema, "Olhos Grandes" surge envolvido numa perversa desconfiança — estaríamos perante um Tim Burton inevitavelmente menor, uma vez que não encontramos nele as marcas exuberantes de títulos como "Charlie e a Fábrica de Chocolate" (2005) ou "Alice no País das Maravilhas" (2010).

É um facto: "Olhos Grandes" é um filme algo diferente, porventura mais contido, mas fixado em obsessões eminentemente burtonianas, por assim dizer sobrepondo o realismo ao artifício da fábula.
Isto porque a história (verídica) de Margaret Keane (n. 1927) retoma a angústia radical do artista que, pelas razões mais diversas, não consegue fazer coincidir a criatividade com a sua imagem pública. Mais exactamente: Margaret viveu muitos anos dominada pelo abuso do marido, Walter Keane (1915-2000), que se impôs na sociedade como "autor" dos quadros que, de facto, eram pintados por sua mulher…
Dir-se-ia que a candura das personagens de olhos grandes pintadas por Margaret acaba por emergir como um reflexo poético da sua própria condição de mulher desapossada da sua arte — ou melhor, da sua identidade pública. Em todo o caso, para Burton não se trata tanto de fazer um mero retrato psicológico, muito menos piedoso, mas sim de colocar em cena o bizarro labirinto de uma verdade que, afinal, assombra tanto Margaret como Walter.
Como sempre, a delicada mise en scène de Burton, expondo a agitação interior de um mundo (familiar) de fachada harmoniosa, envolve um minucioso labor com os actores. E se Christoph Waltz consegue compor um Walter tão maligno quanto burlesco, o centro irradiante de "Olhos Grandes" acaba por ser, naturalmente, Amy Adams — por ela passa a comovente vulnerabilidade de alguém que não desiste de si própria, nunca se submetendo a uma ordem machista ou banalmente comercial.

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