Camané filmado por Bruno de Almeida — o fado e o seu trabalho


joao lopes
24 Out 2014 12:14

É um facto que, de uma maneira ou de outra, ao longo da última década, com alguns intérpretes de muito talento e outros menos empolgantes, o fado recuperou uma posição sólida na linha da frente do consumo musical. Resta saber qual a percepção que tal fenómeno tem gerado, não apenas do seu enquadramento patrimonial, mas do próprio trabalho dos fadistas.

"Fado Camané", de Bruno de Almeida, é um objecto gerado no interior dessa dinâmica criativa e comercial, a partir de um contexto privilegiado. Assim, o cineasta pôde acompanhar, em clima de evidente cumplicidade, as gravações do álbum "Sempre de Mim" (2008), produzido por José Mário Branco — a sua câmara (ou câmaras) desenha um espaço de intimidade em que o fado emerge como uma conquista tecida de talento, método e paciência.
É essa, sem dúvida, a dimensão mais significativa de "Fado Camané". Em vez de uma visão "limpa" e fechada do labor de estúdio, o filme integra, num misto de didactismo e ironia, todos os sobressaltos que se vivem numa situação como esta: dúvidas e repetições, expectativas e alegrias, tudo lá está na procura do essencial, quer dizer, da própria "perfeição" que Camané evoca.
Registado em austeras imagens a preto e branco, "Fado Camané" é a prova eloquente de que o cinema pode estabelecer uma relação com a música, em geral, que não seja de mera "transcrição". No limite, podemos mesmo dizer que, através da colecção dos seus esboços e experimentações, o álbum "Sempre de Mim" adquire, aqui, uma nova identidade para os olhos (e ouvidos) do espectador.

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