joao lopes
11 Nov 2021 23:58
Acontece aos melhores: confundir a coerência do seu universo criativo com uma espécie de "chave" formal para todos os seus trabalhos. No limite, começar a praticar um estilo, não tanto como uma via narrativa, antes como um efeito de assinatura.
Acontece agora com Wes Anderson. E, em boa verdade, porque ele não deixa de se manter fiel a si próprio: definiu um estilo muito pessoal e, metodicamente, eu diria obsessivamente, vai criando variações sobre esse estilo.

Nesta perspectiva, "Crónicas de França" é uma óbvia confirmação da sua coerência. E também, a meu ver, paradoxalmente, um dos momentos mais frustrantes da sua filmografia.

No centro dos acontecimentos está, precisamente, esse jornal que dá pelo nome de "Crónicas de França", ou melhor "The French Dispatch". Trata-se de uma filial (francesa) de um outro jornal (americano), o "Liberty, Kansas Evening Sun". Aliás, o título português completo corresponde ao original: "Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun".

Trata-se de contar quatro histórias que têm a ver com a vida desse jornal imaginário, sediado numa cidadezinha fictícia que tem qualquer coisa da povoação de ancestral nostalgia, incólume à modernidade. Um pouco como o universo "rural" de "O Meu Tio" (1958), de Jacques Tati, em contraste com o delírio tecnológico da nova cidade. Mais do que isso: Wes Anderson cita explicitamente Tati, a par de outras referências cinéfilas que o seu universo integrou.
Os quatro episódios são outros tantos quadros sobre diversos aspectos da vida "made in France" (incluindo até uma variação paródica sobre Maio 68) e seguem todos a mesma lógica — trata-se de criar uma espécie de "banda-desenhada-animada" cuja fragilidade é compensada (?) pela utilização regular de vozes off.
A técnica de comsposição é rigorosa e requintada, por vezes gerando verdadeiras vinhetas em movimento executadas com obsessiva paixão pelos pormenores. Além do mais, a colecção de actores é verdadeiramente incrível, reunindo talentos como Benicio del Toro, Tilda Swinton, Léa Seydoux, Timothée Chalamet, Frances McDormand e o sempre fiel Bill Murray.
Resta saber se tudo isso faz um filme, ou apenas um objecto de auto-ironia que pouco mais nos pede além do reconhecimento do seu imaculado narcisismo. Wes Anderson tem todo o direito de imitar Wes Anderson, mas é duvidoso que o verniz de "Crónicas de França" acrescente algo de significativo a uma trajectória que contém títulos como os mais recentes "Grand Budapest Hotel" (2014) e "Ilha dos Cães" (2018).

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